O presidente da CNTV, José Boaventura, recordou que o
projeto é oriundo da comissão especial do piso nacional dos vigilantes da
Câmara, formada sob o comando do deputado cassado e preso Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) para apreciar o PLS 135/2010, do ex-senador Marcelo Crivella
(PRB-RJ), aprovado no Senado em 16 de junho de 2012. Cunha apensou 122 projetos
que tratavam de segurança.
Após ter sido aprovado na comissão especial em 16 de maio de
2016, o sexto substitutivo do relator, deputado Wellington Roberto (PR-PB), foi
aprovado no plenário da Câmara em 29 de novembro. "O texto não tem piso,
frustrando os vigilantes, mas traz o estatuto da segurança privada”, destacou
Boaventura.
Bancada BBBB
A deputada federal Erika Kokay (PT-DF), que integrou a
comissão especial, disse que, apesar da conjuntura adversa, foi possível
garantir avanços e barrar alguns retrocessos, como a legalização do "bico” dos
policiais.
Erika, ex-presidenta do Sindicato dos Bancários de Brasília,
denunciou que "a mídia fala na bancada BBB no Congresso, mas esconde que na
realidade o que existe é a bancada BBBB: B de boi (ruralistas), B de bala
(segurança), B de Bíblia (igrejas evangélicas) e, a mais poderosa, B de
bancos”.
O estatuto não é novidade. Trata-se de uma iniciativa da
Polícia Federal para atualizar a lei federal 7.102/83, que se encontra
defasada, embora seguidamente é descumprida pelos bancos e empresas de
segurança. A primeira versão foi elaborada em 2005. Foi objeto de muitas
reuniões e debates com entidades sindicais dos bancários, vigilantes, bancos e
empresas de segurança, inclusive no Ministério da Justiça, mas nunca chegou a
ser enviado pelo governo ao Congresso.
A redação aprovada na Câmara regulamenta a profissão
dos vigilantes, define a atuação das empresas de segurança privada e de
transporte de valores e disciplina os procedimentos de segurança em bancos,
dentre outros pontos.
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ler a íntegra do texto aprovado.
Proteção à vida
Há importantes avanços como a inclusão da "proteção à vida”
como um dos princípios a ser observado na prestação dos serviços de segurança
privada. "Foi uma proposta feita pela CNTV e Contraf-CUT ao longo dos debates
com a Polícia Federal”, lembrou Boaventura.
O diretor da Contraf-CUT e ex-coordenador do Coletivo
Nacional de Segurança Bancária, Ademir Wiederkehr, fez uma apresentação
mostrando os impactos para os bancários. Ele frisou que "o estatuto garante
mais segurança nas agências bancárias, mas traz retrocessos e problemas que
precisam ser corrigidos no Senado”.
Mais segurança para bancários, vigilantes e clientes
Além do mínimo de dois vigilantes com coletes balísticos e
do alarme interligado, as agências deverão ter portas de segurança com
detector de metais, sistemas de circuito interno e externo de imagens em tempo
real e artefatos que garantam privacidade nas operações nos guichês de caixas,
dentre outros procedimentos.
É vedado aos bancários fazer transporte de numerário ou
valores.Étambém permitida a guarda de chaves de cofres e das
dependências de instituições financeiras nas instalações de empresa de
segurança, "o que evitará que os bancários levem tais chaves para casa,
deixando de ser alvos de sequestros”, salientou Ademir, que também é diretor do
Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e secretário de Comunicação da CUT-RS.
Tentativa de freio nas greves
No entanto, existem graves retrocessos no projeto aprovado
na Câmara que precisam ser corrigidos no Senado. Até propostas que nada têm a
ver segurança, mas com o Direito do Trabalho foram inseridas no texto.
No artigo 31 do projeto, que trata do funcionamento dos
bancos, consta no parágrafo 1º que são considerados "essenciais tanto os
serviços por eles prestados para efeitos da lei nº 7.783, de 28 de junho de
1989, quanto os inerentes à sua consecução”.
A lei nº 7.783 é a que garante o direito de greve e
estabelece os serviços essenciais. Na medida em que o projeto inclui "os
inerentes à sua consecução”, fica evidente que a intenção é ampliar os serviços
para tentar frear o exercício da greve. Essa inclusão tem as digitais dos
patrões. "Isso me lembra daquela história do jabuti em cima da árvore: ou foi
enchente ou foi mão de gente”, comparou Ademir.
"Interesse nacional” para acabar com leis municipais
Já no parágrafo único do artigo 1º, o projeto incluiu outra
proposta que atende o poderoso lobby dos bancos. "A segurança privada e a
segurança das dependências das instituições financeiras são matérias de
interesse nacional.”, diz o texto.
O objetivo é barrar leis municipais e estaduais que já
salvaram milhares de vidas diante do descaso dos bancos. Existem várias
decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que garantem a constitucionalidade
de leis municipais, como a que obriga a instalação de portas de segurança nas
agências. "O artigo 30 da Constituição Federal prevê que os municípios podem
legislar sobre assuntos de interesse local, como é o caso da segurança nos
bancos”, destacou Ademir.
"Querem calar vereadores, prefeitos, deputados estaduais e
governadores de legislar sobre um dos temas mais debatidos pela sociedade,
enquanto cresce a violência, a criminalidade e a insegurança”, alertou
Boaventura. Ele acrescentou que a expressão "interesse nacional” poderá fazer
um estrago sem precedentes nas relações trabalhistas.
Negociado sobre legislado
O presidente da CNTV criticou duramente a inclusão de um
dispositivo que caracteriza "o negociado sobre o legislado” no parágrafo quarto
do artigo 29 do projeto. Consta que "é facultado às partes, mediante convenção
ou acordo coletivo de trabalho, que prevalecerá sobre o disposto em lei,
ajustar jornada de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas
ininterruptas de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas
ininterruptas de descanso, podendo os intervalos para repouso e alimentação
serem usufruídos ou indenizados na remuneração mensal”.
Multas contra bancos corrigidas pela metade da inflação
Apesar dos seus lucros gigantescos, as multas contra os
bancos infratores foram corrigidas somente pela metade da inflação desde 2000,
quando a UFIR foi extinta. Assim, a multa mais alta é atualmente de 20 mil
UFIR, significando R$ 21.282,00. O projeto estabelece multa até R$ 30 mil. Se
fosse corrigida pelo IPCA do período, o valor seria mais de R$ 60 mil. Os
bancos foram beneficiados, o que o Senado precisa modificar.
O projeto possui outros retrocessos, como a inclusão de um
termo de compromisso de conduta entre bancos e empresas infratoras com a
Polícia Federal, o que poderá suspender o pagamento de multas se as regras
forem cumpridas dentro do prazo estabelecido. "Nenhum outro infrator dispõe de
tal benefício na sociedade”, criticou Ademir.
Há ainda uma redução para no mínimo um vigilante nos postos
de atendimento, o que fragiliza a segurança e piora as condições de trabalho.
Prazo de até quatro anos para instalar portas de segurança
Além de não ter incluído várias reivindicações de bancários
e vigilantes, como vidros blindados nas fachadas e vigilância 24 horas, há
também problemas no texto aprovado, como os prazos generosos e parcelados de
adequação à nova lei. Os bancos teriam até quatro anos para instalar os
equipamentos de segurança, como as portas de segurança, em 100% das agências.
"Um período muito longo para o setor que mais lucra no Brasil”, criticou
Boaventura. Biombos
só em capitais e cidades com mais de 500 mil habitantes
Outro
grave problema é que o inciso VI do parágrafo 1º do artigo 33 do projeto
estabelece "artefatos, mecanismos ou procedimentos que garantam a privacidade
das operações nos guichês dos caixas, nas capitais dos estados e nas cidades
com mais de 500 mil habitantes”.
Desta
forma, as agências ficariam desobrigadas de instalar biombos para combater o
crime da "saidinha de banco” em quase todos os municípios do país. "Todas as
cidades do interior do Rio Grande do Sul ficarão sem biombos e expostas ao
crime que já tirou a vida de muitos clientes”, criticou Ademir, que defendeu a
extensão desse tapumes para todas as unidades. Cooperativas incluídas, menos em municípios abaixo de 20 mil
habitantes
O estatuto será também aplicado às agências e postos de
atendimento de cooperativas de crédito, o que é uma importante conquista, pois
a atual legislação não inclui essas instituições que atuam como se fossem
bancos. Entretanto, a lei dispensa unidades localizadas em municípios com
população inferior a 20 mil habitantes, que ficarão expostas a ações
criminosas.
Outro problema é que o projeto possibilita que a Polícia
Federal reduza os dispositivos de segurança, levando em conta o número de
habitantes e índices oficiais de criminalidade, o que torna vulnerável a
segurança e coloca em risco a vida de bancários, vigilantes e clientes. Além
disso, vários itens do estatuto dependerão de regulamento da Polícia Federal.
Conselho Nacional de Segurança Privada sem regulamentação
O projeto define que "o Ministério da Justiça poderá
instituir um Conselho Nacional de Segurança Privada (CNASP), de caráter
consultivo, vinculado ao Ministério da Justiça, e composto por membros do
governo, da classe empresarial e da classe laboral, destinado a assessorar o
Ministro da Justiça em assuntos de segurança privada e a elaborar políticas
para o setor”. No entanto, nada consta acerca do regulamento, atribuições e
funcionamento.
Ouvir especialistas
Ademir destacou a necessidade de analisar com profundidade o
projeto aprovado, consultar especialistas no assunto e construir emendas para
levar ao Senado. Em entrevista publicada no último dia 16 na Rede Brasil Atual,
o advogado criminalista e procurador aposentado do Ministério Público de São
Paulo, Roberto Tardelli,alertou sobre o perigo que representa o projeto.
Clique aqui
para ler a entrevista de Tardelli.
"Essa lei cria um exército privado e sem controle”, apontou.
"A lei foi originada só para definir esse piso, mas depois foi ganhando
diversas emendas e virou outra coisa, virou um sapo com asa”, avaliou Tardelli.
Mobilização no Senado
Erika, Boaventura, Ademir e o advogado da CNTV, Jonas
Duarte, reforçaram a importância da atuação das entidades sindicais dos
vigilantes e bancários para garantir os avanços e excluir os retrocessos do
projeto no Senado.
"Nossa primeira recomendação é o estudo e o debate da
proposta aprovada na Câmara. Se a atual lei já regula a nossa atividade por 33
anos, esse texto poderá regular nossa vida e profissão por mais 50. O momento é
de fazer história”, defendeu o presidente da CNTV.
Para Ademir, a solução passa muito pela mobilização junto
aos senadores e às senadoras. "Temos que dialogar e propor audiências públicas
no Senado para ouvir todas as partes envolvidas, bem como pressionar os
parlamentares em Brasília e nos estados, ao mesmo tempo em que lutamos contra
as reformas da Previdência e trabalhista e contra a terceirização sem limites”,
defendeu.
A deputada reafirmou o seu compromisso com as lutas da
classe trabalhadora e se colocou à disposição para continuar defendendo os
interesses de vigilantes e bancários na Câmara. *CUT/RS com CNTV |