"Um dia tem só arroz, outro dia não tem nada pra comer.
A vida aqui é dura demais", lamenta Andreia Pires da Conceição, que vive
em uma pequena casa na periferia de Codó. O pai de cinco dos seus seis filhos
mudou-se para São Paulo em busca de emprego e acabou ficando. Depois que o
casal se separou, ele só entra em contato por telefone e não envia dinheiro
para os filhos.
Na casa de Andreia, hoje, são 17 pessoas que compartilham o
espaço de seis cômodos e dependem do Bolsa Família que ela, sua cunhada e sua mãe
recebem por manter as crianças na escola. Além da frequência escolar, a renda
mensal também é critério no programa federal e não pode ultrapassar os R$154
por pessoa da família.
Além do Bolsa Família e do arroz plantado pelo pai de
Andreia, a renda em casa é complementada pelo que dois dos três irmãos de
Andreia, que estão no interior do Mato Grosso, conseguem mandar. Eles trabalham
descarregando caminhões de soja, em jornada exaustiva que começa ao meio-dia e
às vezes termina só depois das 23h, segundo contam à mãe, Tereza, de 57 anos.
As longas viagens feitas por estes trabalhadores deixa
saudade aos que ficam e reduzem a rede de proteção dos que vão. No caso de
Tereza, a mãe de Andreia, o contato com os filhos que partiram para o Mato
Grosso é difícil. Valdivino, um dos rapazes, não dá notícias desde dezembro de
2015, quando teve seu celular roubado."Ele ficou só, enquanto os
companheiros vieram tudinho. Depois que os outros vieram foi que a gente teve
notícia que ele tá lá, trabalhando. Faz mais de três meses que nós conversamos
com ele da última vez", conta Tereza.
A casa de Andreia e Tereza fica em Codó Novo, um dos bairros
mais vulneráveis da cidade, em que o esgoto atravessa a céu aberto as ruas de
barro. Antes de migrar para o bairro periférico, a família vivia na zona rural,
onde o cultivo da terra garantia um mínimo de comida na mesa. Mas a família foi
expulsa por um latifundiário e, por R$50 por mês, alugam hoje a casa onde estão
há três anos. "Estamos nesse bairro porque não temos casa em lugar
nenhum", diz Tereza.
Apesar da expulsão do local onde moravam, José Rocha, pai de
Andreia, caçou um pequeno pedaço chão a 60 quilômetros de casa, onde cultiva o
arroz que garante o sustento mínimo da família. Flávia Moura, pesquisadora da
Universidade Federal do Maranhão e autora da dissertação de mestrado "Escravos da Precisão: economia familiar e estratégias de
sobrevivência de trabalhadores rurais em Codó", explica que a
população de Codó, apesar de estar em uma cidade grande, é composta por
trabalhadores muito atrelados à terra: "Por mais que tenha havido uma
predominância do latifúndio, os trabalhadores insistem em manter a roça de
subsistência. A migração é muito mais estratégica porque não circula dinheiro
na cidade. Há só algumas pequenas empresas na cidade, mas elas não seguram a
economia".
O bairro de Andreia é um dos que mais recebe novas famílias,
as quais são forçadas a sair da zona rural para a cidade e que, sem mais espaço
para a agricultura de subsistência, vêm seus homens viajando para garantir a
sobrevivência com o dinheiro que sobrar. No município, de acordo com o Atlas do
Desenvolvimento Humano no Brasil, a população em área urbana subiu de 56%
para 68% entre 1991 e 2010, apesar de um crescimento populacional de 0,86% no
período. O dado mostra que, com uma população quase estagnada, o aumento de
pessoas na cidade vem principalmente da migração de famílias do campo.
São estas novas famílias da cidade que mais concentram os
migrantes de Codó que serão escravizados pelo Brasil. Cerca de um terço dos 413
trabalhadores resgatados que eram do município declararam aos fiscais
do Ministério do Trabalho e Emprego residirem em Codó Novo ou em Santa Teresinha,
um bairro vizinho.
Quando viviam na zona rural, o pai de Andreia trabalhava com
a ajuda dos filhos e netos cultivando a terra e fazendo crescer os alimentos
que sustentariam a família pelo ano. Já Andreia e Tereza, além de cuidar da
casa, se ocupavam da retirada dos cocos de babaçu, presentes nas terras de toda
a região de Codó. Com o fruto, elas faziam azeite e carvão. A atividade é
tradicional para as mulheres do campo desta parte do Maranhão, que costumam
usar os produtos do babaçu em casa ou vendê-los na cidade, complementando a
renda da família. *Rede Brasil Atual
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