Não foi apenas o educador Paulo Freire e sua noção de extensão em
comunicação para formar democracia a partir do direito a todos de se
informar e informar que conduziu ou fundamentou aquilo que Guareschi
defende como princípios fundamentais de uma democracia. Ele falou e
muito do sistema jurídico que estrutura o oligopólio da comunicação no
Brasil que nos aprisiona num "círculo de ferro”. Guareschi lembrou de
uma máxima do sociólogo ativista político no combate à fome, Hebert José
de Souza, o Betinho, morto em 1997, para demonstrar que a comunicação é
uma variável fundamental à democracia. "O Betinho dizia que só
acreditaria em democracia no Brasil quando o presidente da Rede Globo
fosse eleito pelo voto direto.”
Pois este breve exemplo serviu para introduzir a questão estrutural
que envolve a comunicação. A mídia, segundo Guareschi, sobretudo a
eletrônica, TV, rádio e agora internet, é a "variável fundamental da
sociedade moderna”. Não era assim há 40 ou 50 anos. Mas assim ficou
depois que as concessões públicas de rádio e televisão foram
sequestradas pelos poderes político e econômico. "Quem somos nós? Somos o
resultado de milhões de relações que estabelecemos. Esse novo
personagem (a televisão) fala conosco uma média de cinco horas por dia.
Nas vilas, as crianças chegam a ficar nove horas na frente da TV por
dia”, detalha.
Está em jogo também todo o poder de criar consciência na população. É
preciso, a partir daí, pensarmos no fato de que 80% dos gaúchos são
informados por apenas aquilo que uma família do Grupo RBS considera
importante que seja agendado. O antecedente disso é um conjunto
anacrônico de leis cujo marco é uma legislação criada em 1962. Guareschi
lembra que o artigo 5º da Constituição Federal ainda carece de
regulamentação, mas prevê um caráter público à comunicação eletrônica.
"É a mídia eletrônica que faz a cabeça das pessoas. O furo da bala
está na mídia eletrônica. Fundamentalmente, essa mídia tem que ser
educativa. Educação não é ficar dando resposta. Educação é fazer a
pergunta. O jornalista vai informar o que quer, mas não pode comunicar o
que quer. O jornalista é um prestador de serviço da sociedade num meio
que não é dele”, salienta.
Questão do caráter público do meio eletrônico
Antes de seguirmos com o ponto de vista de Pedrinho Guareschi vale a
pena compreender a distinção que ele faz entre meios eletrônicos e
impressos. Trata-se de uma distinção simples. Os meios impressos podem
ser de propriedade de empresas bastando um registro simples em cartório.
Já os eletrônicos são regulados por uma Constituição que os configura
como tendo um caráter eminentemente público. Não podem ser de
propriedade de ninguém, uma vez que são concessões (TVs) ou outorgas
(rádios) de caráter provisório. Daí, a importância da Fundação Piratini,
empresa pública que faz a gestão da TVE e da FM Cultura, duas emissoras
que estão em processo de extinção pelo governo de José Ivo Sartori no
Rio Grande do Sul em seu pacotaço de ataque aos serviços públicos
apresentado na Assembleia Legislativa na semana passada.
Citando a cientista política Ana Arendt, Guareschi disse que não se
pode fazer distinção entre mídia e política. "A mídia eletrônica está
num círculo de ferro. Eles dão as dicas do que querem. O grande problema
nosso é entre o mercado e o Estado. 94% das nossas televisões são
privadas. A BBC na Inglaterra é pública. Desde 1920, tem caráter
público. O jornalista não opina, mas ajuda a fazer a pergunta. É o
pressuposto do diálogo, do respeito ao saber do outro”, acrescentou
Guareschi.
Mais Paulo Freire
Depois de fazer um diagnóstico do sistema, transitar pelo caráter
político e manipulador do monopólio da comunicação eletrônica e pontuar
questões relacionadas ao sistema jurídico que mantém a comunicação
eletrônica no que chama de círculo de ferro, Guareschi reconheceu a
dificuldade de romper o círculo. Citou a Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade (ADI) 4475, do especialista em direito de
informação, Fábio Konder Comparato, e que tramita no STF, referindo a
ilegalidade da não regulamentação do Artigo 5º da Constituição Federal.
Depois de reiterar essas questões, apresentou seu modelo.
Não é preciso recorrermos aos modelos tradicionais das escolas
europeias culturais de muito menos ao modelo comercial estadunidense de
comunicação. Digamos que o modelo adequado ao Brasil está no meio de
nós. Mais precisamente o educador Paulo freire e sua proposta de
comunicação extensiva são suficientes para tornar o modelo
comunicacional que queremos mais educador, mais respeitoso aos saberes
locais, mais dialógico. "Um comunicador dizer ‘que vergonha’ num meio de
comunicação eletrônico é um crime. Não é dar a resposta, é fazer a
pergunta. Se o jornalista quer se posicionar tem que ter a humildade de
dizer que esta é a opinião dele e que há muitas outras opiniões. O
termômetro que mostra a democracia no país é a participação na
comunicação”. *Imprensa/SindBancários |