Já aprovados em comissões internas do Senado, a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 65/2012 e o Projeto de Lei 654/2015 podem entrar a
qualquer momento na pauta de votação do plenário. Ambos determinam a
"simplificação" do licenciamento para projetos de infraestrutura e
outras "obras estratégicas", a partir da adoção de mecanismos para
aumentar o poder decisório das empresas, encurtar prazos para a realização dos
estudos de impacto ambiental, diminuir as exigências de contrapartidas e
compensações e afastar da discussão as populações atingidas no processo.
A PEC 65/2012, já aprovada na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ), determina que a própria empresa autora de
determinado projeto seja responsável pela apresentação da documentação com os
estudos sobre o impacto ambiental a ser causado. Uma vez apresentado, esse
documento funcionaria como licença prévia para a execução do projeto, em
caráter irrevogável, não permitindo que as obras sejam paralisadas, por
exemplo, por qualquer questionamento oriundo de órgãos ambientais como Ibama,
Funai e Instituto Chico Mendes, entre outros.
De autoria de Acir Gurgacz (PDT-RO) e relatada na CCJ pelo
então senador mato-grossense Maggi, a PEC agora precisa ser aprovada por três
quintos dos senadores (49 votos) em dois turnos de votação no plenário, antes
de seguir para a Câmara dos Deputados. No momento, o texto encontra-se com
pedido de vista feito pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Elaborado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), que teve
passagem relâmpago pelo Ministério do Planejamento do governo Temer antes da
divulgação de gravações em que ele admite a adoção de um plano para impedir o
avanço da Operação Lava Jato, o PLS 654/2015 é ainda mais abrangente. O texto
cria o modelo defast trackpara acelerar a emissão de licenças
ambientais em obras consideradas estratégicas pelo governo. Para isso, a nova
lei reuniria as três etapas de licenciamento observadas atualmente – prévio, de
instalação e de operação – em uma única etapa.
Acir Gurgacz e Blairo Maggi: a PEC 65/2012 determina que a
própria empresa autora de determinado projeto seja responsável pela
apresentação da documentação com os estudos sobre o impacto ambiental a ser
causado
Também relatada no Senado pelo agora ministro Maggi, desta
vez na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional, onde foi aprovada, a
proposta elaborada por Jucá elimina a exigência de realização de audiências
públicas com a sociedade civil e de consultas prévias com as populações
atingidas pelos projetos. Também encurta para apenas 60 dias o tempo de análise
do projeto por parte dos órgãos públicos responsáveis pelo envio de informações
como a descrição das áreas de importância ambiental, bens culturais e
históricos e a presença de comunidades tradicionais, como indígenas e
quilombolas. De acordo com as atuais normas do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), todo o processo de análise pode durar até um ano.
"Ambos os projetos inovam o ordenamento jurídico e
visam a garantir maior segurança para a execução de obras públicas", diz
Maggi, que, após acordo com Temer, deixou o PR e ingressou no PP para poder
assumir o ministério. A comissão especial foi criada pelo presidente do Senado,
Renan Calheiros (PMDB-AL), com a missão específica de discutir propostas e
projetos que se enquadram no escopo daAgenda Brasil, documento lançado
por Renan com diretrizes políticas e econômicas para o país. Item também
presente no documento Uma Ponte para o Futuro, divulgado por Temer, a
flexibilização do licenciamento ambiental é bandeira do governo peemedebista.
Reação ambientalista
As organizações do movimento socioambientalista e o
Ministério Público procuram reagir. A Associação Brasileira de Organizações Não
Governamentais (Abong), por exemplo, enviou a Renan carta aberta na qual pede o
aprofundamento dos debates democráticos sobre o PLS 654/2015 antes que o tema
seja pautado para votação em plenário. "Consideramos ser de fundamental
relevância a realização de debates amplos, mediante a realização de audiências
públicas, com a participação dos mais diversos especialistas de diferentes
setores da sociedade em relação aos complexos temas objeto do PLS
654/2015", diz o documento.
A Abong pede também que o Senado, antes de tomar qualquer
decisão, "esteja adequadamente apropriado das diversas e complexas
facetas" existentes nessa discussão. "Além de ser objeto de diversas
normas regulamentares em todos os entes da federação (decretos, resoluções, instruções
normativas, portarias etc.), o licenciamento ambiental, com mais de 30 anos de
vigência no país, é objeto de aprofundados estudos acadêmicos, aprimoramentos
nos órgãos especializados e outros tantos debates nas mais diversas esferas da
sociedade e do poder público", afirmam as ONGs.
O Instituto Socioambiental (ISA), por sua vez, reuniu 135
organizações ambientalistas e movimentos sociais em um manifesto de repúdio ao
PLS 654/2015: "O texto de autoria do senador Romero Jucá ampliará os
conflitos, inclusive os judiciais. O meio ambiente será objeto de maiores
riscos, as populações potencialmente impactadas ficarão menos protegidas e com
seus direitos ameaçados e os empreendedores terão menos segurança jurídica para
operar e mais conflitos a resolver sem a intermediação do poder público".
O projeto de Jucá, segundo os signatários do manifesto,
"representa um retrocesso da democracia brasileira na medida em que
elimina as instâncias de participação cidadã no licenciamento e minimiza o
papel dos órgãos fiscalizadores de impactos sociais, como o Ministério da
Saúde, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação Cultural Palmares, entre
outros". Eliminar os espaços de participação direta de atingidos e interessados,
prosseguem, "é a maneira menos eficiente de encarar os conflitos inerentes
às grandes obras deinfraestrutura".
O atual licenciamento ambiental, com mais de 30 anos de
vigência, é objeto de estudos acadêmicos, aprimoramentos nos órgãos
especializados e outros tantos debates nas mais diversas esferas da sociedade e
do poder público. Já o PLS 654/2015, do senador Romero Jucá, elimina a
exigência de realização de audiências públicas com a sociedade civil e de
consultas prévias com as populações atingidas pelos projetos
Mobilizações
O ISA também manifestou seu repúdio em relação à PEC
65/2012, criticando os senadores por "aproveitarem-se do momento em que as
atenções da sociedade estão voltadas para as sessões da comissão especial do
impeachment". Sua eventual aprovação, afirma o instituto, teria
"inúmeras consequências negativas, como o significativo aumento do risco
de ocorrência de desastres socioambientais como o verificado em decorrência do
rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana (MG)".
Segundo o ISA, a pretensão de extinguir o processo de
licenciamento ambiental configura "gravíssimo e inaceitável"
retrocesso nos direitos da sociedade brasileira, "notadamente o direito de
todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida,
bem como aos direitos fundamentais das populações impactadas por
empreendimentos, todos resguardados pela Carta Constitucional".
Em outra frente de reação à proposta de Acir Gurgacz, o
Ministério Público Federal (MPF) organizou de 16 a 20 de maio uma semana de
mobilizações contra a PEC 65/2012 e o enfraquecimento do processo de
licenciamento ambiental no Brasil. "É patente a violação aos princípios
fundamentais do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao
princípio da dignidade da pessoa humana. Sem a devida presença das instituições
de controle, aumenta-se o risco de pescadores, agricultores, populações
tradicionais, flora e fauna sofrerem impactos irreversíveis com a instalação
das obras", diz uma nota pública assinada pelas seções do MPF nos estados
de Amapá, Acre, Amazonas, Pará, Mato Grosso do Sul e Rondônia.
Ministra do Meio Ambiente no governo de Dilma Rousseff,
Izabella Teixeira afirma que as propostas em discussão no Senado contrariam a
Constituição e que a posição do governo afastado era contrária à flexibilização
do licenciamento ambiental, mesmo para os projetos ditos estratégicos. "O
meio ambiente é um bem público, e o licenciamento ambiental autoriza, em nome
da sociedade, que o empreendedor privado se aproprie daquele meio ambiente, com
determinada finalidade. Para isso existem o licenciamento e a avaliação de
impacto ambiental", alerta. "Qualquer legislação que queira provocar
retrocessos naquilo que já está consolidado é inaceitável."
Ainda como ministra, Izabella afirmou, durante participação
no Congresso Mundial de Direito Ambiental, realizado no Rio de Janeiro, que os
últimos 13 anos de governos progressistas trouxeram avanços à legislação
ambiental, que formam um "legado a ser mantido". Ela conclamou
movimentos populares a ir para as ruas defender a manutenção das leis de defesa
do meio ambiente caso o governo Temer aja para implementar uma agenda de
retrocesso.
Ministro do governo interino, Sarney Filho (PV-MA), apesar
das posições que costumava defender como parlamentar nos últimos anos, parece
agora se alinhar aos setores simpáticos à "agilização" dos
procedimentos de proteção ambiental, grupo que inclui o próprio Temer. Após o
primeiro encontro oficial com Blairo Maggi, realizado com o objetivo de
"construir uma agenda positiva entre os dois ministérios", segundo
sua assessoria, Sarney Filho anunciou que passará a coordenar pessoalmente as
discussões sobre mudanças no licenciamento ambiental travadas no Congresso.
"Será uma mudança que não visa a queimar etapas, mas que dará segurança
jurídica aos empreendedores. Os prazos serão respeitados com respostas efetivas
e ágeis, sem atraso para os empreendimentos em razão do licenciamento. Falta
gestão no licenciamento ambiental brasileiro", afirma.
Dias antes de assumir o ministério, no entanto, ele usou o
plenário da Câmara dos Deputados para criticar a aprovação da PEC 65/2012 pela
CCJ do Senado. "Essa proposta, na prática, acaba com o licenciamento
ambiental para obras públicas. Se essa PEC prosperar, transformará a legislação
ambiental brasileira, que já foi uma das mais avançadas do mundo, em legislação
medieval." *
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