élio Gomes de Souza é o presidente da entidade e também
vereador em Mirassol. Ele é mineiro, nasceu em Ipatinga, no Quadrilátero
Ferrífero. Fugiu da mineração décadas atrás e agora enfrenta a indústria da
extração novamente. Neste caso uma empresa chamada Bemisa – Brasil Exploração
Mineral S/A -, controlada pelo Grupo Opportunity, do banqueiro predador Daniel
Dantas. Depois que suas relações com o poder na era FHC começaram a dissolver,
e as brigas judiciais dentro do setor telefônico aumentavam, nos anos 2000, ele
começou a migrar os seus investimentos. Comprou 500 mil hectares de terra no
Pará e virou pecuarista. E montou a Global Mine Exploration (GME4) e passou a
registrar sucessivos pedidos de lavra no Departamento Nacional de Produção
Mineral – DNPM. Em 2009 eram 1.381, envolvendo ferro, ouro, diamante, terras
raras e fosfato.
Daniel Dantas e o maior banco de ativos minerais
As notas nas colunas de economia relatavam a última sacada do economista gênio,
cria do falecido conterrâneo, Antônio Carlos Magalhães: o maior banco de ativos
minerais da América Latina. Na verdade perseguia a trilha de Iene Batista,
porém, sem ter um pai especialista em minérios. A Bemisa, criada em 2007,
executa estes projetos que eram apenas pedidos de pesquisa de lavra. São oito
projetos em seis estados. A única operação mineral começou com a mina
Baratinha, no Vale do Aço em 2014. Mas também envolvem o sul do Piauí, onde
descobriram mais de dois bilhões de toneladas de ferro e pretendem explorar a
partir de 2016, para infortúnio e sofrimento das comunidades de Curral Novo do
Piauí assediadas por todos os lados para venderem as terras ou abandonarem a
área.
O roteiro dos extratores é velho, autoritário, ultrapassado, fora de contexto,
mas continua sendo usado. Primeiro o anúncio de uma grande jazida, como ocorreu
em Mirassol d’oeste, em 2010 pelo governador Sinval Barbosa (PMDB) com a
descoberta de 450 milhões de toneladas de fosfato e 11 bilhões de toneladas de
ferro na região, o que caracterizaria um "novo pré-sal”. Uma mentira que não
sustentaram por muito tempo, porque o Serviço Geológico do Brasil confirmou a
existência dos minerais, mas no caso do ferro, com apenas 40% de pureza – é
preciso 58% para validar a exploração. O fosfato precisaria de mais pesquisas e
avaliações. Sem contar que a jazida é intercalada – por rochas fosfáticas e
ferro. Uma tecnologia que somente a China possui, segundo comentários dos meios
minerários.
Levar pânico aos moradores
Basta uma mentira desse tipo, para logo surgir um bando de aventureiros e
especuladores interessados no negócio. E as terras dos assentados do Roseli
Nunes abrigam parte da jazida. Na sequência uma geóloga do INCRA visitou o
assentamento acompanhada de um engenheiro e pedindo autorização para a
realização de sondagens. A gestora da Escola Estadual Madre Cristina, Maria
José de Souza Gomes relatou o encontro:
-"Nós fomos surpreendidos. Não tínhamos nenhuma informação. Resolvi perguntar
sobre a ordem de serviço do INCRA para saber o motivo do trabalho. Ela não
tinha. Ninguém concordou e eles foram corridos”.
Este tipo de expediente é característica destes projetos pelo interior do país.
As corporações lidam com a falta de informações, exercem seu autoritarismo com
objetivo de assustar os moradores, normalmente despreparados para enfrentar
tais situações. Levar o pânico faz parte do negócio, porque elas sempre têm
pressa em começar a exploração. No caso do banqueiro predador mais ainda,
porque ele recolhe dinheiro no mercado, de cotistas, que tem um prazo para
receber o dinheiro de volta com os lucros contabilizados.
Não são milionários, mas produzem comida de verdade
Ocorreram outros episódios desse tipo, até conseguirem fazer uma sondagem na
terra de dois assentados, que quase foram expulsos do assentamento. Em outra
ocasião, descobriram que uma equipe de sondagem estava próxima do assentamento
e um grupo correu atrás e por pouco não vira uma tragédia, porque eles
pretendiam queimar o carro da equipe. O Roseli Nunes é dividido em 23 núcleos,
todos com coordenadores, além de uma coordenação geral. As propostas são
discutidas nos núcleos e depois levadas à coordenação. Além do trabalho de
conservação do ambiente, da água, do solo, da produção agroecológica e da
pecuária leiteira eles mantêm uma área social – coletiva – onde produzem
verduras, legumes e frutas.
Não são milionários, não exportam commodities, produzem comida de verdade, sem
veneno e cuidam da terra como o maior bem que possuem, porque ela registra a
história de sofrimento de milhares de vidas. A proposta de exploração mineral
na área do assentamento foi rechaçada pela maioria e eles pretendem enfrentar a
situação, com tudo o que aprenderam nos últimos 20 anos. O banqueiro predador
pode ter certeza que a exploração, como foi divulgada no assentamento, envolver
a expropriação de 110 lotes, não será uma batalha simples.
A Bemisa informa em seu site que em 2015 foi concluída a quarta e última
campanha de sondagem do Projeto Jauru, é o nome oficial da exploração de
fosfato e que ainda foi realizada uma sondagem de 15 mil metros. Também
iniciará a construção da planta piloto, que começará operar em 2016 em Mirassol
d’oeste, sudoeste do Mato Grosso, onde a linha ferroviária mais perto está em
Rondonópolis, no sudeste.
Bemisa vai produzir fertilizantes fosfatados
Qual é a importância do fosfato no Brasil? É a fonte de fósforo dos
fertilizantes químicos, sendo que a metade ainda é importada – 80% da rocha
fosfática é Abastecida pelas empresas nacionais – basicamente Vale, que comprou
a Fosfértil e Ultrafértil, a Cobras, da Anglo American e a Galvani, que tem um
complexo de produção de fertilizantes na Bahia. É preciso explicar o seguinte:
a Bemisa, conforme informação do presidente, Augusto Cezar Calazans Lopes,
executivo com experiência em Private Equity, vai produzir fertilizantes
fosfatados, conforme testes da rocha avaliados pela USP, Fundação Gorceix e na
UFMG. Os resultados demonstram a viabilidade técnico econômica para produção de
concentrado fosfático e fertilizantes fosfatados. Um detalhe: a pesquisa foi
financiada em parte com verba do FINEP, uma linha de financiamento público para
quem investe em inovação tecnológica.
É uma operação química
Para explorar o ferro no sul do Piauí, que segundo a empresa custará mais de
três bilhões de reais, 55% vai ser requisitado como financiamento via SUDENE.
Aqui é necessário uma explicação: para transformar a rocha fosfática, onde está
o elemento P2O5 – pentóxido de fósforo – precisa ser escavada ou explodida.
Depois britada e moída, posteriormente lavada e sofrer um choque químico com
ácido sulfúrico, senão o fósforo não é concentrado. O pentóxido de fósforo não
é solúvel em água e precisa ser acidificado para ser usado como fertilizante.
Resumo da ópera: não é uma operação de extração mineral, mas sim uma operação
química, por isso mesmo as empresas que fazem a exploração em Cajati (SP), em
Uberaba ou Cubatão tem complexos industriais, onde são explorados fertilizantes
e produtos intermediários.
O produto básico para chegar aos fertilizantes é o ácido fosfórico, que é o
resultado do choque do ácido sulfúrico, depois de filtrado. Para cada tonelada
de ácido fosfórico sobra como rejeito cinco toneladas de fosfogesso. No Brasil
existem 150 milhões de toneladas de fosfogesso acumuladas. Parte dessa montanha
é usada como gesso agrícola, ou industrial – na construção civil e aterros
sanitários. Entretanto, o problema e as consequências da mineração sempre está
nos detalhes.
"- Todos os fertilizantes fosfatados de acordo com a origem da rocha podem
conter vários metais, que podem ser considerados como micronutrientes e metais
considerados tóxicos.” Trecho de uma trabalho do IPEN, autarquia associada à
USP. O Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) é mais claro ao analisar a
exploração em Cajati (SP), no Vale da Ribeira:
"- O principal aspecto negativo do fosfogesso é a sua impureza, sobretudo
devido a presença de fósforo, metais pesados, radioatividade e acidez residual.
Poeira, infiltração no solo e águas ácidas das lagoas de decantação são alguns
dos impactos causados pelo fosfogesso no solo”.
Metais pesados e radioatividade
A questão é que no Brasil não existem metodologias específicas e apropriadas
para avaliação de metais em fertilizantes e condicionadores de solo, como é
chamado o fosfogesso – não é o mesmo gesso oriundo da gipsita, um mineral que é
a fonte de quase 100% no Brasil.
Metais como chumbo cádmio e cromo, além do rádio estão presentes na rocha
fosfática. Todos considerados tóxicos e cancerígenos mesmo em baixas
concentrações. O que os assentados do Roseli Nunes vão enfrentar nos próximos
anos é um complexo industrial, equivalente com o da Galvani na Serra do
Salitre, em Angico Dias (BA):
-Mina em lavra a céu aberto, usina de concentração, unidades de ácido
sulfúrico, ácido fosfórico, acidulação, granulação de fertilizantes e fosfato
bicálcico. Mais as barragens de rejeito e as lagoas de decantação. A Serra do
Caeté, com sua mata exuberante- transição para a Amazônia-, com a
biodiversidade característica, onde se encontra a área da jazida de fosfato na
região, numa área de 70km2, será detonada. Seus córregos e nascentes de água
secarão. O ar será contaminado pela reação do ácido sulfúrico com a chuva, que
gera chuva ácida. Enquanto isso, o banqueiro predador vai valorizando seus
ativos até conseguir um comprador, talvez a Sinosteel Corporation, cujos
representantes estiveram no sul do Piauí para avaliar a operação do ferro.
Para encerrar: está no boletim semestral do DNPM 2015- "queda nos preços dos
metais e fertilizantes que evidenciam menor demanda global por metais, China
principalmente, problemas de excesso de oferta, elevados estoques, além da
influência do dólar americano. Aumento na oferta de minério de ferro em função
da entrada em operação de novas minas e aumentos na capacidade de produção na
Austrália e Brasil, além do excesso de oferta de aço na China”. O preço atual
do ferro – 63 dólares a tonelada é um terço do maior preço em 2011. A tendência
divulgada pelo Banco Mundial: a queda nos preços dos metais e fertilizantes
continuará.
Esqueci de especificar: o processo de aproveitamento da rocha fosfática é úmido
e como ocorre em outras extrações minerais precisa de muita água. Em Anitápolis
(SC), onde a população já enfrenta a extração mineral do fosfato – embora o
projeto esteja suspenso, depois da compra pela Vale – a retirada é calculada em
773 m3 por hora, ou o equivalente a 30% da vazão do rio Pinheiros, onde fica o
projeto. *Carta Maior
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