Explico. Não existe, em nossa época, iniciativa mais
ridícula do que atacar um regime democrático nem tentação mais vergonhosa do
que tentar derrubar os poderes soberanos do povo.
É um movimento que contraria as melhores lições políticas que a humanidade
aprendeu nos séculos que se seguiram a Revolução Francesa. Que nega uma
civilização inteira, na qual nossos filhos e netos merecem viver para que
possam construir um mundo melhor para seus próprios filhos e seus netos.
Um mal disfarçado projeto golpista, que reflete a incapacidade de conviver com
a vontade expressa da maioria, retira dos atos de hoje qualquer fiapo de
pretendida dignidade. Podem ser admitidos por lei mas são errados como cuspir
no chão, bater em criança e perseguir quem não pode se defender.
As conspirações antidemocráticas devem ser denunciadas e combatidas sempre mas
podem levar semanas, durar meses ou prolongar-se por anos. anos. O ideal é que
sejam derrotadas de imediato, mas isso pode levar mais tempo. As vezes,
acontece a tragédia de chegarem ao poder, como já ocorreu com tantos povos e
países, inclusive conosco, infelizmente, logo depois daquela marcha de 1964.
Mas sempre serão vencidas, inevitavelmente. Os ditadores podem fugir do palácio
pela porta dos fundos, podem ser julgados e enforcados, podem ser pendurados de
cabeça para baixo pela massa em fúria por direitos que foram roubados, pelo
sofrimento causado. Com frequência, reescrevem a própria história, escondem
seus crimes, dissimulam, apagam indícios e sinais.
O mais comum é que sejam ridicularizados em sua arrogância, em seu sonho
pretensioso, mas no fundo apenas criminal e perigoso. Isso porque não há
argumento defensável na boca de quem tenta vencer a vontade soberana de uma
nação.
A derrota dos adversários da democracia é inevitável como a alvorada depois da
noite. É certa como a esperança que todos os dias nos leva sair da cama para
lutar pelo bem ainda que o mal pareça inevitável, a preferir a verdade no lugar
da mentira. Eles nunca deixarão de ser uma excrescência absoluta, nem deixarão
de refugiar-se na hipocrisia dos que falsificam a história sem escrúpulos nem
dores na consciência. Mas estão condenados a perder, porque sua mensagem não
eleva o bem estar do povo nem torna os homens e mulheres de hoje mais iguais —
mais humanos na realidade — do que homens e mulheres de ontem. Seus projetos
são obscuros e regressivos e é por isso, mais do que qualquer outra razão, que
eles perdem todos os debates quando as diferenças se esclarecem, não conseguem
ganhar nenhuma eleição quando as fantasias se desmancham e o importante
aparece. Detestam o voto popular, que só disputam quando não há outro jeito.
Mesmo assim tentam comprar a vontade dos fracos, alugar a consciência dos
estudados.
Os ataques à democracia fazem feridos, matam e machucam. Mas
sempre chega a hora em que podemos rir deles, em gargalhadas que hoje fazem eco
em minha memória, quando lembro da minha mãe falando sobre as vizinhas, amigas
e nem tão amigas que foram às ruas para pedir golpe em março de 1964.
Professora num bairro de classe média, lutadora por muitos direitos que poucos
conheciam na época, dona Alcina tinha orgulho de ter recusado convites e apelos
para sair de casa naquele dia. Isso lhe fazia sentir orgulho, dava um
sentimento de honra, de dever cumprido. Também era a alegria de quem não se
deixara enganar.
Em tempos de maior religiosidade, aquelas mulheres carregavam terços, usavam
véus — e vociferavam contra blasfêmias e pecados da época em que a mudança
social estava tão distante e a ignorância geral era tão grande que podia ser
apresentada como obra do demônio. Para combater o que se chamava de subversão,
diziam que iriam eliminar a corrupção. O truque é antigo, como sabemos.
Não vamos nos iludir. Os protestos de hoje querem revogar as melhorias feitas
na vida do povo. Expressam o inconformismo de quem não suporta assistir ao
progresso dos que sempre estiveram em baixo. Seu horizonte é a escuridão e seu
destino final será fornecer enredos e personagens para as anedotas e comédias
do futuro.
A gargalhada dos homens e mulheres de amanhã é o destino inevitável dos
golpistas que desfilam hoje. Nada mais merecem além de vaias, piadas e deboche. *Paulo Moreira Leite
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