O termo "reforma" nem se quer é adequado para a
proposta do governo Temer. O que se pretende é o fim da previdência pública,
quase a sua destruição, na medida em que estão propostos pré-requisitos tão
rígidos e descolados da realidade brasileira que, se aprovada a proposta, a
aposentadoria no Brasil passaria a ser uma ilusão, um alvo inatingível para a
grande maioria da população.
As instituições financeiras serão beneficiadas. Apenas o
anúncio da proposta de reforma da previdência já gerou resultados expressivos
para os bancos, na medida em que já embutiu nas pessoas o temor do esvaziamento
da previdência pública e aumentou a tendência de compra de planos de
previdência privada como alternativa.
Em 2016 o resultado do Bradesco com seguros e previdência
chegou a R$ 33 bilhões, com alta de 103%. No Itaú o resultado desta área
cresceu 40% e atingiu a cifra de R$ 18,6 bilhões. Eles esperam que ela gere
alguns bilhões de reais a mais nos cofres destas instituições.
Essa reforma trará sérios prejuízos a toda a sociedade
brasileira:
1) Torna quase impossível aposentadoria integral – A
proposta é de extinção total da aposentadoria por tempo de contribuição.
Existiria apenas aposentadoria por idade e a exigência de idade mínima passaria
a ser de 65 anos para todas as pessoas, homens e mulheres, trabalhadores
urbanos e rurais, além da necessidade de ter realizado no mínimo 25 anos de
contribuição, ou seja, um total de 300 contribuições.
O mercado de trabalho no Brasil é caracterizado por elevada
rotatividade e informalidade e, nesse contexto, conseguir realizar número tão
elevado de contribuições é para poucos. E mesmo quem conseguir cumprir esses
dois requisitos (65 anos e 25 anos de contribuição) irá receber apenas 76% do
seu salário de benefício, percentual muito inferior às regras atuais.
Para obter o benefício integral será exigido o mínimo de 49
anos de contribuição! E com as características que já citamos do mercado de
trabalho brasileiro as pessoas conseguem fazer em média 9,1 contribuições a
cada 12 meses, tornando necessário esperar 64,6 anos depois de iniciar a vida
no trabalho para completar o correspondente a 49 anos de contribuições. Isso
significa que alguém que tenha começado trabalhar aos 16 anos de idade só
conseguirá ter aposentadoria integral perto dos 81 anos.
2) Aumenta a exclusão feminina e os casos de violência
contra a mulher – Para as mulheres a proposta é ainda pior. Sob o falso
argumento de que a estaria acabando com "distorções" ao propor a
mesma idade de aposentadoria para homens e mulheres o que se propõe na verdade
é acabar com mecanismo que visa compensar minimamente as mulheres pelas
inúmeras injustiças que sofrem ao longo de sua vida profissional.
A regra diferenciada de idade reconhece o preconceito de
gênero que ocorre no trabalho, a baixa participação dos homens nas atividades
domésticas, a dupla e/ou tripla jornada das mulheres, e busca recompensá-las
pelo sobrecarga de trabalho. Na categoria bancária, as mulheres ocupam 49% do
total de postos de trabalho e recebem, em média, salários 23% menores que os
dos homens.
A presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo,
Juvandia Moreira
Essa realidade é ainda mais injusta quando se observa que as
mulheres bancárias têm escolaridade maior que a dos bancários. 80% das
bancárias têm nível superior completo, enquanto entre os homens esse percentual
cai para 74%. Tal desigualdade é fruto de uma sociedade machista e sem cultura
de relações compartilhadas e faz com que as contribuições das mulheres à previdência
social sejam mais instáveis e consequentemente a maioria das mulheres hoje se
aposenta por idade em função da dificuldade de acumular tempo de contribuição.
Além disso, as mulheres têm taxa de desemprego mais elevada
e salários inferiores. Com a PEC 287, a previdência ao invés de compensar vai
apenas reforçar a extrema desigualdade do mercado de trabalho, provocando o
aumento da miséria feminina, aumentando a dependência financeira das mesmas e,
consequentemente, a violência contra as mulheres.
3) Aumento da miséria na população – A PEC 287 ainda propõe
reduzir o valor das pensões por morte e do Benefício de Prestação Continuada
(BPC) para patamares inferiores ao Salário Mínimo. Uma viúva ou um viúvo pode
chegar a receber apenas 60% do salário mínimo.
No caso das pensões do Regime Geral da Previdência Social
sabemos que hoje 55% correspondem ao salário mínimo. Hoje, o BPC garante a
transferência de um salário mínimo à pessoa idosa, com 65 anos ou mais, e à
pessoa com deficiência de qualquer idade, em situação de pobreza (renda mensal
familiar per capitaé inferior a ¼ do salário mínimo).
A PEC 287 desvincula o BPC do Salário Mínimo e aumenta a
idade mínima para o idoso receber dos atuais 65 para 70 anos. Atualmente,
86% dos idosos têm proteção na velhice e apenas 10% estão em condição de
pobreza.
4) Aumenta a evasão escolar, fome e criminalidade – Sem a
Previdência pública, mais de 70% dos idosos estariam na pobreza extrema. Além
disso, muitas famílias têm na aposentadoria a sua principal fonte de renda e a
destruição desse mecanismo terá consequências devastadoras como a evasão
escolar, pois os jovens terão que trabalhar mais cedo para complementar a renda
familiar, o aumento da fome, da desnutrição, e mesmo da criminalidade.
5) Promove a falta de alimentos na mesa, com o desmonte no
campo – A aposentadoria rural será drasticamente reduzida, dificultando a
permanência no campo, aumentando o êxodo rural e todos os problemas urbanos que
o acompanham como a falta de moradia digna para todos. Com menos pessoas
trabalhando no campo, a produção de alimentos será reduzida.
6) Promove impacto na economia – Do ponto de vista da
dinâmica econômica haverá consequências graves também. Os benefícios
previdenciários representam ao menos 25% do PIB municipal em pelo menos 500
municípios brasileiros. Esse percentual chega a 60% do PIB em diversas cidades
nos estados da Bahia, Minas Gerais e Piauí. O impacto que as aposentadorias geram
na economia de tais regiões movimentando os pequenos comércios, por exemplo,
será minado pela PEC 287, gerando uma espiral de queda da atividade, do
emprego, da renda, gerando ainda mais pobreza.
Diante desse cenário, precisamos fazer uma reflexão dos motivos
que levam um governo a propor a quase destruição de um sistema de seguridade
social tão importante para dezenas de milhões de pessoas e quem ganha com essa
proposta. É bom lembrar que em 2012 quando o então governo Dilma tentou reduzir
as taxas de juros no Brasil para incentivar o crédito, representantes de bancos
disseram que o crédito tinha pouco espaço para crescer e que os resultados
destas instituições financeiras passariam a ser cada vez mais apoiados nas
áreas de seguros e previdência privada.
Este sim um "mercado" altamente promissor na visão
dos banqueiros. Para que os bancos possam ocupar esse "mercado" e
ampliar a venda de previdência privada é preciso destruir a previdência
pública, reduzir drasticamente seu valor, tornar as regras de acesso
praticamente impossíveis de serem atingidas e fazer as pessoas desacreditarem
do sistema. Só assim, totalmente desamparadas elas se sentirão encorajadas a
consumir planos de previdência privada.
Em um país em que quase 60% da população economicamente ativa
tem renda de ate dois salários mínimos e mais 11% não tem rendimento, quantas
pessoas terão condições de poupar recursos para investir em planos de
previdência privada? Quantas estarão sem nenhuma proteção na velhice?
Essas perguntas não cabem dentro do modelo de sociedade do salve-se
quem puder. A solidariedade é um valor que nos guia e a hora de nos
mobilizarmos contra a proposta de destruição da previdência pública é agora, ou
então em breve veremos mais alguns bilhões de reais entrando nos cofres dos
bancos a custa de muitos milhões de pessoas em situação de pobreza no país.
Juvandia Moreira é formada em direito e pós-graduada em
política e relações internacionais. Está à frente da presidência do Sindicato
dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região desde 2010. *RBA |