Em maio de 2016, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen
Lúcia, atual presidente da Corte, revogou medida cautelar que suspendia
por dois anos a divulgação da lista. A medida havia sido solicitada por
incorporadoras imobiliárias que questionavam a constitucionalidade da
divulgação. Com isso, o cadastro poderia voltar a ser divulgado. A lista
é publicada pelo Ministério do Trabalho, mas a pasta informa ter
suspendido temporariamente a divulgação, pois as normas atuais não têm
assegurado o direito ao contraditório e à defesa dos incluídos na
lista.Â
Para a diretora de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados da
Justiça do Trabalho da 1ª Região (Amatra1), Daniela Muller, a criação da
lista foi um avanço no combate ao trabalho escravo no país e a
divulgação precisa ser retomada. Ela lembra que o cadastro foi
considerado referência pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Dia Nacional de Combate ao Trabalho
Escravo foi escolhido em homenagem aos auditores fiscais do trabalho
Eratóstenes de Almeida, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva,
e ao motorista Ailton Pereira de Oliveira, assassinados quando
investigavam denúncias de trabalho escravo na zona rural do município de
Unaí (MG) no ano de 2004. A data foi oficializada em 2009
Na avaliação da diretora, a lista serve para engajar a sociedade e
evitar o consumo dos produtos de empresas que usam trabalho escravo. "É
muito importante que a sociedade se envolva, porque os instrumentos
jurídicos legais não valem nada se a população não abraça a causa. É
muito importante combater esse tipo de exploração extrema, que é o
trabalho escravo. E o consumo consciente, acho que é o caminho
principal”, disse, acrescentando que esse tipo de exploração cria uma concorrência desleal com as companhias que cumprem as obrigações.Â
Barreira comercial e transparência
Para o coordenador da organização não governamental Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, a não divulgação da lista "contribui
para o erguimento de barreira comercial não tarifária contra setores
brasileiros, na medida em que torna a economia nacional menos
transparente e tira um instrumento fundamental para a proteção dos
negócios no exterior”.
"A lista suja facilita que uma empresa que queira saber onde
está o risco de seus fornecedores possa fazer um gerenciamento de risco
pontual, caso a caso, e não suspendendo a importação de um determinado
produto ou criando problemas para um setor econômico inteiro. A lista
suja traz informação à sociedade e ao mercado e uma economia só é
saudável quando tem informação circulando livremente”, ressaltou o
coordenador da organização, que atua no combate ao trabalho escravo.
Desde o final de 2014, quando a divulgação foi suspensa, a
organização Repórter Brasil tem solicitado informações sobre empresas
flagradas ou autuadas por trabalho escravo por meio da Lei de Acesso à
Informação (LAI). "Como o ministério [do Trabalho] é obrigado a fornecer
a informação, nós obtivemos quatro relações a cada seis meses”, disse
Sakamoto, acrescentando que a "lista paralela"Â tem sido usada por
empresas para organizar negócios, porém, é uma espécie de "remendo" e
não substitui a lista oficial. A organização vem sendo alvo de processos
judiciais por divulgar as informações.Â
Os últimos dados, obtidos em junho do ano passado pela
organização, apontavam 348 empresas flagradas com uso de mão de obra
escrava, a maioria atuando na pecuária, agricultura e construção civil.
Conforme os dados, nos dois últimos anos, 4.102 trabalhadores foram
liberados.
Ministério do Trabalho
Em nota oficial, divulgada esta semana, o Ministério do Trabalho
informou que optou por não divulgar o cadastro temporariamente "por
considerar que a portaria que hoje regula a formação da lista, assinada
às pressas no último dia do governo anterior, não garante aos cidadãos
instrumentos de efetivo exercício dos direitos constitucionalmente
assegurados ao contraditório e à ampla defesa, bases sob as quais se
firma qualquer nação civilizada".
Em dezembro passado, o ministério editou portaria criando um grupo de
trabalho "que visa aprimorar técnica e juridicamente o modelo de
produção e divulgação do cadastro, pretendendo assim dar a segurança
jurídica necessária a um ato administrativo com efeitos tão
contundentes".
De acordo com o órgão, participam do grupo o Ministério Público do
Trabalho, OAB, representantes do governo, trabalhadores e empregadores. O
grupo tem até 29 de julho para apresentar uma proposta.
"Eventuais inclusões indevidas [na lista] não apenas
redundariam em injustiças com graves consequências a cidadãos e empresas,
gerando desemprego, como acarretariam nova judicialização do tema,
comprometendo a credibilidade do cadastro, fator essencial para que o mesmo
alcance os objetivos almejados", diz o comunicado, destacandoque as
operações de fiscalização permanecem independentemente da publicação do
cadastro.
Dados
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde
1995, mais de 52 mil pessoas em situação análoga à escravidão foram libertadas.
Em 2016, a comissão estimou uma redução no número de trabalhadores nessa
situação libertados. A queda, segundo a CPT, pode estar relacionada à redução
das fiscalizações motivada, por exemplo, por greve dos auditores fiscais.
Dados da comissão mostram também o avanço do trabalho
escravo nas cidades. Em 2014, os casos de trabalho escravo urbano superaram
pela primeira vez os números de casos no meio rural. No ano anterior, por
exemplo, 2.208 trabalhadores foram libertados no Brasil, dos quais 1.228, 56%
do total, estavam nas cidades.
De acordo com as fiscalizações feitas pelas
superintendências regionais do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 1995 e
2016, 50.816 trabalhadores foram identificados em condições análogas às de
escravo e libertados, resultando em indenizações no montante de R$ 92,62
milhões.
*RBA