Com promoção do Instituto Comunidade e apoios do SindBancários e da
Fetrafi-RS, o painel  "Ampliar os caminhos da esquerda: a experiência
uruguaia”, trouxe para a mesa a experiência da Frente Ampla do Uruguai, a
partir do relato do deputado suplente na Câmara Uruguaia, o jornalista
Sebastián Valdomir. A pergunta? Como unificar os partidos de esquerda em
torno de uma agenda única de combate à reconversão neoliberal para
avanços sociais que ampliem as conquistas recentes da experiência
petista? O ex-deputado estadual, ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont,
comentou as propostas e o relato da experiência apresentados por
Sebastián em pouco mais de duas horas de debates.
A palavra que emergiu parece óbvia. É preciso que os partidos de
esquerda brasileiros constituam uma unidade programática que tenha como
objetivo pensar uma agenda que amplie o alcance de programas sociais e
se afaste da política eleitoral de conciliação, desenhada para vencer
eleições. Proferir a palavra que fornece o caminho é mais fácil do que
conciliar partidos de amplo espectro de experiências e visões
programáticas distintas para uma sociedade tão diversificada e com
tantos problemas como o Brasil. Na prática, a experiência uruguaia tem
muito a ensinar a nós brasileiros que vivemos sob um golpe muito rápido,
muito organizado e que está colocando em prática uma hegemonia política
de terra arrasada, que cancela direitos e trabalhando em favor da elite
financeira e social do país. Sebastián falou da experiência da Frente Ampla do Uruguai. São 32
partidos e movimentos sociais que se uniram em torno de uma agenda a
partir de certo momento histórico. Alguns anos são chave para
compreender como, desde 2004, essa Frente Ampla consegue eleger
presidentes para sucessivos mandatos federais e ter maioria no
parlamento. Um dos marcos é 1973, quando começa a Ditadura Uruguaia.
Entre 1989 e 1994, a experiência neoliberal não consegue vencer a crise
mundial de 1998. Esfacelada a metodologia do arrocho e austeridade e o
endeusamento do mercado como solução para tudo, uma janela de
oportunidade se abriu para a reestruturação da Frente Ampla e levou à
vitória em 2004.
Os partidos tradicionais, mais precisamente o Partido Colorado e o
Partido Blanco, encolheram. Lideranças como José Mujica e Tabaré Vasquez
emergiram como nomes mundiais. "Na década de 1990, a Frente ganhava as
eleições no primeiro turno. Mas os partidos de direita se uniam e
venciam no segundo. As décadas de 80 e 90 foram um momento chave para
evoluir ao projeto político e fortalecer a militância. A crise de 2002
também foi outro momento chave. O enfoque da Frente Ampla para a saída
da crise era e recuperação do setor produtivo”, explicou Sebastián.
Essa nova visão de ataque e solução para a crise no Uruguai contou
com os ventos favoráveis da eleição de Lula em 2002, do Chavismo na
Venezuela, e do início da era Kirschner na Argentina. O neoliberalismo
fazia água na mesma proporção em que os projetos sociais de partidos de
esquerda, com corte político na defesa dos trabalhadores, tratavam de
redirecionar os investimentos públicos para combater a desigualdade.
Programas como o Fome Zero, Luz para Todos e Minha Casa, Minha Vida são
exemplos dessa guinada social, assim como valorização do salário mínimo
para ampliar a base de consumo.
Questão programática
Mas como o Uruguai conseguiu estabelecer na agenda da população a
importância do investimento público ante o individualismo neoliberal e a
ideologia do mercado? Primeiro, é preciso dizer que foram criados
Comitês Populares praticamente por bairros. Era ali no contato direto
com a população, chamada a decidir e participar ativamente, que o apoio e
o alicerce da maioria no parlamento começaram a serem formados.
Sebastián reconhece que, mais de 20 anos depois da reconversão da Frente
Ampla, esses comitês populares já não têm a mesma pegada política que
já tiveram. Em parte, isso se deu em razão de algumas divergências políticas no
centro da Frente Ampla do Uruguai. A prática política, as disputas
partidárias, por assim dizer, costuma complicar a experiência de criação
de políticas públicas. "Conseguir acordo com 32 movimentos sociais e
partidos não é fácil. É um processo muito contraditório porque há muitas
divergências e pode trazer um rebaixamento ao programa. Não é possível
impor visão muito determinante. E houve grupos que deixaram a Frente por
entenderem que não fazia mais sentido ficar se não conseguia colocar
uma política no programa”, acrescentou Sebastián.
É preciso pensar a política, na visão do parlamentar uruguaio, de
forma horizontal. Fazer emergir novas lideranças. Pensar que os meios de
comunicação sociais, como as redes, precisam ser bem mais
horizontalizados. E, também, tão importante quanto o dito acima:
modificar a agenda. "A pobreza e a desigualdade exigem que se rebaixe um
pouco o programa no sentido de que é preciso atacá-las com programas
emergenciais num horizonte de modelo capitalista. No excessivo
gradualismo, há um rebaixamento da política. Somos governo eleito duas
vezes com maioria parlamentar. Qual é o limite? Ter um horizonte
pós-capitalista de organizar a produção”, apontou.
O limite da política eleitoral
Eis outro ponto. Há que se considerar no horizonte da unidade um
limite político eleitoral. E não se trata apenas de um limite que diga
respeito à estrutura da própria frente, como ela funciona e constrói
consensos. A massa muda. Há influências de todos os lados. Narrativas
das mídias de grande porte, influências culturais, os efeitos que as
próprias políticas públicas exercem sobre a população no futuro e o modo
de uma geração que emerge em massa passa a pensar. E, claro, os
adversários também entram em campo, têm as suas próprias estratégias e
modos de compreender as vertentes culturais e seus cursos.
"Chega um momento que a política eleitoral cobra uma fatura de
partidos como os nossos. O inimigo também joga e o adversário coloca
seus jogadores em campo. Na Venezuela, por exemplo, há uma
desestabilização pura e dura pelo Império (Estados Unidos). No Equador,
ocorre o mesmo. Talvez, nosso quarto de hora esteja prestes a se
concluir. Ou se reproduz o que se vem fazendo ou se faz uma nova
abordagem política que seja mais periférica”, sustenta Sebastián.
O que não podemos esquecer, adverte Sebastián, é que vivemos um
momento histórico em todo o mundo, aliás, a esquerda do mundo vive este
momento. É preciso ampliar ainda mais e aprofundar políticas públicas
que combatam a desigualdade social que recaiam sobre a periferia
política. Ampliar a participação nas decisões, com plebiscitos e
referendos, é fundamental. "Temos que pensar quais seriam as novas vias e
pistas para imaginar esse novo momento histórico”, sugere.
Dois países diferentes na história
Ao comentar as observações do parlamentar uruguaio com quem dividiu a
mesa, Raul Pont contou uma breve história de sua militância durante a
Ditadura Militar no Brasil. E são diferenças cruciais, além da geografia
e do tamanho dos dois países, para compreender o êxito da Frente
Parlamentar do Uruguai e o golpe em que o Brasil está mergulhado desde
que a presidenta Dilma Rousseff foi afastada pelo Senado em maio
passado. Raul lembrou os tempos em que viajava a Buenos Aires e a Montevidéu
como militante estudantil e via a facilidade com que achava livros
considerados subversivos proibido no Brasil entre 1964 e 1985, durante a
Ditadura Militar, nas livrarias e bibliotecas. Podia comprá-los,
carregá-los pelas ruas e lê-los onde quisesse. Há jornais de esquerda
que são facilmente encontrados ainda hoje em qualquer banca de revista
do centro da capital uruguaia ou em Buenos Aires, capital argentina. Com
um detalhe: o Partido Comunista, que era ilegal no Brasil, tinha as
suas próprias bancas de revistas e bibliotecas nas capitais dos dois
países vizinhos. Só por essas histórias ilustradas é possível perceber
as diferenças de tradição política e cultural.
"A experiência uruguaia não é exatamente a nossa. O Uruguai tem uma
tradição de estabilidade política, de democracia burguesa muito mais
forte que a nossa. Em plena Ditadura, havia racha no PCB e no PCdoB. A
conversa deles era saber quanto vai de verba para a educação enquanto
nós aqui lidávamos com a Arena. Logo em seguida teve o Golpe Militar. Em
1973, o Uruguai também entra”, observou Raul.
Outra questão que afasta as experiências de Brasil e Uruguai é a
tradição de representação de partidos organizados, de imprensa e de
frentes. Estas últimas tiveram vida curta no Brasil. "A nossa imprensa
aqui sempre foi muito conservadora. No Uruguai, tinha jornais
progressistas que podiam ser comprados em bancas. Nunca tivemos aqui
experiência de plebiscitos e referendos. É uma experiência rica no
Uruguai. Não se ganhava sempre. No caso brasileiro, nossa experiência
eleitoral tem sido de partidos. Nunca tivemos experiência de frente com
alguma durabilidade. Nosso desafio é saber como organizar algo mais
duradouro ou uma frente de forma mais permanente”, comentou Raul.
Onda neoliberal e o desafio dos trabalhadores
O presidente do SindBancários, Everton Gimenis, propôs reflexão
acerca do momento de retomada da onda neoliberal que varreu direitos dos
trabalhadores no anos 1990 e que agora está sendo concluída pelo
governo de Michel Temer em conluio com o Congresso Nacional. "Esse
debate é muito importante. Todo mundo que fala em unidade no Brasil
deste momento. Num setor isolado, não tem como enfrentar todos os
ataques a direitos e retrocessos que estão sendo colocados pelo golpe.
Essa experiência da Frente Ampla pode ser um exemplo para nós. Uma das
primeiras experiências de unidade foi feita por sindicatos. A CUT é um
exemplo de frente de trabalhadores”, ponderou Gimenis.
Diretor da Contraf-CUT, Fetrafi-RS e do SindBancários, o mediador do
debate, Mauro Salles, tem defendido uma palavra de ordem para mobilizar
trabalhadores nestes tempos de resistência ao golpe. "A unidade é o
imperativo deste momento. Mas tem que ser uma unidade programática”,
enfatizou. *Imprensa/SindBancários |