O filme poderia ser apenas um apanhado de depoimentos de
especialistas gabaritados nesta área, mas o que Estela consegue é permear as
entrevistas com estudiosos e profissionais de várias partes do mundo com o
encantamento típico da infância. Ela visita famílias de diferentes culturas,
etnias e classes sociais no Brasil, na Argentina, nos Estados Unidos, no
Canadá, na Índia, China, Itália, França e no Quênia e trata sobre diferentes
questões que dizem respeito ao começo da vida.
A diretora incita uma profunda reflexão sobre que futuro a
sociedade quer. "O objetivo do filme, ou talvez o meu sonho, é em primeira
instância trazer para o conhecimento de todos – e para o coração de todos
também – a importância dos primeiros anos da vida de uma pessoa. Mas gostaríamos
de acreditar que um dia este filme se torne uma referência na formação para
pais, educadores, profissionais de saúde, gestores, dentre outros. Gostaríamos
que este filme fosse indicado por ginecologistas, pediatras, psicólogos,
pedagogos, amigos e amigas”, afirma Estela.
Segundo ela, a ideia para o longa-metragem surgiu a partir
dos resultados dos filmes Muito Além do Peso,Criança, a Alma do Negócio eTarja
Branca(todos disponíveis gratuitamente em www.videocamp.com). Sua
intenção em conhecer a realidade da primeira infância em vários países era
apresentar laços de humanidade que unem as pessoas.
"Apesar de ter estado em lugares geograficamente distantes,
o que estávamos buscando é o que nos une. E o amor que temos pelos nossos
filhos e o que sonhamos pra eles é um laço que nos costura enquanto
humanidade”, diz a diretora. "Ouvimos desejos idênticos de pais e mães com
relação ao seus filhos, mesmo separados por continentes e classes sociais.
Aliás, o que nos une é o que desejamos para nossos filhos. E o que nos separa é
a condição que o ambiente nos dá para proporcionar ou não isso para eles.”
O maior desejo de Estela é fazer com que O Começo da
Vida seja um agente de transformações sociais. "Gostaríamos que este filme
fosse assistido e se tornasse ferramenta de transformação social para
lideranças políticas, para lideranças empresariais, sociedade civil, amigos e
amigas. Enfim, gostaríamos que os conceitos impressos no filme – criatividade,
afeto, empatia, direitos humanos, licença parental, parceria, a importância dos
relacionamentos com os outros, com a natureza, a beleza, ética e moral, a
importância do brincar – fizessem parte da formação de nossa sociedade”,
resume.
Um dos temas presentes no longa é a desigualdade social.
Leah Ambwaya, ativista pelos direitos das crianças e presidenta da Fundação
Terry Children, no Quênia, afirma que "a pobreza nega às crianças muitos dos
seus direitos”. O médico Jack Shonkoff, do Centro de Desenvolvimento da Criança
da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, declara que não se pode
ajudá-las sem ajudar os adultos que cuidam delas. "Crianças não são ajudadas
por programas, mas por pessoas. As consequências de não darmos às crianças o
que elas precisam custam muito caro para a sociedade”, enfatiza o também
professor.
A médica brasileira Vera Cordeiro, fundadora da Fundação
Saúde Criança, deixa uma pergunta para reflexão. "Este mundo investe em
satélite, em diversas áreas, para conhecer novos planetas e ir para Marte, para
a Lua, para Urano… A gente não vai investir na condição humana, na humanidade
que está nascendo? Como a gente pode pensar em um mundo de paz, de colaboração,
de bem-aventurança onde o começo da vida não é levado em conta?”, questiona.
Em três anos de trabalho, Estela afirma que encontrou em
cada bebê a possibilidade de uma nova humanidade. Apesar de O Começo da
Vida ser um longa sobre os primeiros anos da infância, ele trata sobretudo
de afeto, diálogo, aprendizado, empatia, solidariedade, colaboração,
criatividade, direitos humanos. E também sobre a importância da brincadeira, o
espírito de comunidade, a quebra de papéis de gênero na maternidade e fora
dela, sobre como é fundamental incentivar verdadeiramente a amamentação por
meio de políticas públicas. É, enfim, uma espécie de chamada global por um
futuro mais inclusivo e mais gentil com todos. *Revista do Brasil
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