O que assusta os executivos é a possibilidade de o
consumidor pular a intermediação, ou seja, o próprio serviço das instituições
financeiras. Ainda é cedo para saber se os bancos têm motivos para
preocupações, mas, em alguns poucos anos, as respostas estarão ao alcance de
suas mãos.
O canal móvel avança a passos largos no Brasil. Pesquisa da
Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com os sete maiores grupos
financeiros do país, divulgada em dezembro, mostra que no primeiro semestre do
ano passado 21% das transações se originaram de smartphones e tablets. No fim
de 2014, as operações por meio de dispositivos móveis representavam apenas 14%
do total.
Uma das apostas mais recentes de "fintech" com
potencial disruptivo tem um brasileiro com sobrenome empreendedor entre os
responsáveis. Parte da quarta geração de herdeiros da família Ermírio de
Moraes, dona do grupo Votorantim, Lucas Moraes, de 26 anos, decidiu trilhar um
caminho bem diferente da jornada industrial que consagrou seu tio-avô Antônio
Ermírio e seu pai Marcos Ermírio de Moraes.
Em 2014, o administrador de empresas e ex-piloto de
motocross decidiu dar uma guinada radical nos rumos de sua carreira e seguiu
seus instintos. Mudou-se para o Vale do Silício, em São Francisco, nos Estados
Unidos, para "estudar tecnologias exponenciais e trabalhar com
inteligência artificial".
Os dois anos de expatriação e imersão no ambiente de tecnologia
inovativa do vale resultaram no projeto Olivia, criado por Moraes com outros
sócios. "Trata-se de um robô-aplicativo, criado para cuidar da vida
financeira do usuário", resume.
O aplicativo, afirma o empreendedor, já tem uma versão
operacional para usuários de iPhone, da Apple, que será lançada ainda no
primeiro semestre nos Estados Unidos. No Brasil, a expectativa da
"startup" é disponibilizar o serviço a partir do segundo semestre, já
com versões para o sistema operacional Android, do Google, também.
A descrição sucinta esconde o verdadeiro objetivo: tornar o
aplicativo um banco. "Queremos criar um novo modelo de intermediação
financeira, o banco do futuro", afirma o empreendedor.
A ideia, segundo Moraes, é cuidar do dinheiro em todas as
dimensões financeiras do usuário, o que inclui pagamentos de contas,
transferências monetárias, planejamento orçamentário e até investimentos. A
chave para isso, diz, é a inteligência artificial. O robô vai aprender a cada
momento mais sobre os hábitos e necessidades da pessoa. "A Olivia vai
chegar a um ponto no qual vai, por exemplo, aconselhar o momento de abastecer o
carro e apontar qual o melhor lugar ao longo da rota", afirma.
O aplicativo será acionado por frases em linguagem natural,
como "posso comprar isso?", cita o empreendedor. Essa pergunta
específica, por exemplo, vai desencadear uma série de análises, desde
endividamento, acesso a crédito, folga no orçamento, e, caso a resposta seja
afirmativa, vai incluir uma pesquisa para identificar se aquele é o melhor
preço. "Será tudo automático. Para transferir dinheiro bastará avisar:
Olivia envie um valor x para tal pessoa", diz.
Segundo Moraes, o robô usa sensores embutidos nos
smartphones atuais para monitorar hábitos do usuário e, além disso, conecta-se
às contas bancáriase usa aplicativos terceiros para pesquisar
diversos tipos de informações, como preços e serviços.
Nos EUA, afirma, a startup já fez acordos com a maior parte
das instituições financeiras para conseguir acesso às contas e dados bancários do
usuário, desde que o cliente autorize essas consultas e, futuramente, eventuais
operações. No Brasil, o serviço ainda está em fase de negociação com os
principaisbancos, diz.
Em relação ao que acontece nos Estados Unidos, a área de
tecnologia financeira ainda engatinha no Brasil. Já estão disponíveis no
mercado americano, por exemplo, soluções em que consultores-robôs fazem a
gestão automatizada da carteira de investimentos do usuário, com rebalanceamento
periódico e escolha de ativos conforme o perfil de risco da pessoa.
Conforme os serviços financeiros começam a ganhar fama mundo
afora, passam a ser alvo de empreendedores locais. É o caso dos
consultores-robôs. O primeiro em desenvolvimento de que se tem notícia no
Brasil tem lançamento programado para o segundo semestre. A Vérios,
desenvolvedora, tem inspiração nos modelos americanos. "É um serviço com
todos os pilares de investimento automatizado nos EUA, adaptado para o Brasil",
diz Felipe Sotto-Maior, executivo-chefe da empresa.
O serviço vai agregar um aplicativo para o usuário
acompanhar os investimentos e interagir com a empresa. De acordo com
Sotto-Maior, a tecnologia vai juntar a alocação combinada previamente com o
cliente com uma gestão prática da carteira. "Aí entra a automatização: o
algoritmo faz todas as contas matemáticas e todas as operações
financeiras."
O algoritmo, segundo o executivo, é capaz de ler o perfil do
usuário, compará-lo com a alocação estratégica escolhida, verificar o saldo e
fazer a alocação. "A gente tem visto que, além dos problemas de custo, as
pessoas simplesmente não seguem o planejamento, porque dá muito trabalho",
explica. O consultor-robô da Vérios pretende assumir todo o trabalho "enfadonho"
relacionado ao acompanhamento e ao rebalanceamento do portfólio.
Sotto-Maior afirma que, inicialmente, o aporte mínimo para
usufruir do serviço será de R$ 50 mil. Depois, sem obrigação com prazo ou
regularidade, o investimento adicional tem de ser a partir de R$ 100. "A
gente quer baixar o tíquete, mas hoje ainda não é viável, pois se eu baixar
demais o valor da carteira os custos em reais ficam pesados", conta o
empreendedor.
Para uso do serviço, a Vérios cobra uma taxa fixa única de
0,95% ao ano sobre o patrimônio. "Isso inclui todos os custos que o
cliente tem, como corretagem, custódia, taxa da BM&FBovespa para o Tesouro
Direto e taxa de administração de ETFs", diz.
Os Exchange Traded Funds (ETFs), fundos de índices com cotas
negociadas em bolsa, são os principais ativos usados na alocação automática.
Segundo o executivo da Vérios, na renda variável, o serviço faz alocações em um
ETF que replica o IBrX-50. Na fatia em renda fixa, o investimento será feito
por meio do Tesouro Direto, plataforma on-line de negociação de títulos
públicos, com compra de LFT (papéis pós-fixados atrelados à Selic), as
prefixadas LTN e NTN-F e as NTN-Bs, títulos indexados ao IPCA que pagam uma
parcela de juro real. Além dos ativos brasileiros, o robô da Vérios fará
alocação no exterior por meio de um ETF que segue o índice S&P 500 da bolsa
de Nova York. A liquidez da carteira, afirma Sotto-Maior, será de cinco dias
úteis.
Antes de contratar o serviço, o cliente passa por uma fase
de "suitability", que vai definir o perfil de aceitação de risco.
"O interessado vai responder diversas perguntas, como ele lida com
dinheiro, com risco, capacidade de poupança e outras questões relevantes",
afirma Sotto-Maior.
Na parte operacional, o contratante abre uma conta no
sistema da Vérios e outra conta financeira na corretora. Depois, tem de assinar
um contrato de mandato de gestão para transferir à Vérios a responsabilidade de
cuidar da conta individual do cliente na corretora. "Montamos o modelo
após consultas à CVM [Comissão de Valores Mobiliários] para fazer todo o
processo dentro da regulação vigente", explica Sotto-Maior.
Isso inclui manter todas as informações sobre a carteira,
ativos, operações, rentabilidade e riscos acessíveis o tempo todo ao
investidor. *Valor Econômico
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