O Mapa da Violência de 2015 mostra que entre 2003 e 2013 as
taxas de homicídio de brancas caíram de 3,6 para 3,2 por 100 mil — queda de
11,9% —, enquanto as taxas entre as mulheres e meninas negras cresceram de 4,5
para 5,4 por 100 mil, aumento de 19,5%. Com isso, a porcentagem de vítimas
negras, que era de 22,9% em 2003, cresce para 66,7% em 2013. O que esses dados
estão nos dizendo?
Os dados evidenciam que as políticas públicas de combate à
violência contra a mulher não estão atingindo as mulheres negras, ou seja, não
se está pensando na realidade dessas mulheres, que são maioria no Brasil, na
hora de criar [essas políticas]. Isso aponta para o que as feministas negras
vêm dizendo há décadas: não se pode universalizar a categoria mulher, mulheres
são diversas, e as mulheres negras, por conta do machismo e racismo, acabam
ficando num lugar de maior vulnerabilidade social. Outro problema é que o
próprio movimento feminista parece ainda não ter entendido que as questões das
mulheres negras não podem mais ser tratadas como apêndices, precisam ser
centrais. É preciso romper com essa tentação de universalidade que exclui.
A rede de proteção está falhando mais com as mulheres
negras?
É necessário racializar as políticas de gênero. A mulher
negra vem sendo violentada desde o período colonial, estupros foram cometidos
sob a égide da miscigenação. Criaram-se os estereótipos da mulher negra como a
"boa de cama”, "quente”. Essas violências, que também são confinadores sociais,
desumanizam essa mulher.
Você acha que as mulheres moradoras de periferias confiam na
polícia e no Estado para fazer essa proteção? Pergunto isso porque essa é uma
fala recorrente das meninas e mulheres com quem conversamos nos bairros pobres
de São Paulo: de que o Estado e a polícia estão na periferia não para proteger,
mas para incriminar. Como você enxerga esse cenário?
Sim, muitas mulheres negras periféricas não confiam na
polícia e no sistema judiciário, até porque esse braço do Estado vem
exterminando seus filhos, companheiros. Dos jovens de 15 a 29 anos que são
assassinados no Brasil, 77% são negros. Mulheres periféricas convivem
diariamente com essa realidade violenta. E o sistema judiciário, do modo como
está posto, não é uma questão de justiça, e sim de poder. Muitas sequer têm
condições de acessá-lo. Isso não quer dizer que as leis criadas, como a Maria
da Penha e a do feminicídio, não são importantes. Isso quer dizer que esse
sistema tem limites, acaba atingindo as mulheres que possuem privilégios
sociais, haja vista que diminuiu em 10% o número de assassinatos de mulheres
brancas.
E sobre a prevenção da violência contra a mulher? Acredita
que a gente tem hoje políticas públicas de prevenção ou elas são mais voltadas
à punição?
É preciso pensar em políticas de prevenção, a gente
continuar lutando por uma educação não sexista nas escolas, o que pode, a longo
prazo, promover uma transformação de mentalidade. Em alguns estados, há
programas voltados para homens agressores, o que considero positivo.
Por que as mulheres continuam morrendo no Brasil?
As mulheres continuam morrendo no Brasil porque as
violências muitas vezes são naturalizadas; muitas realidades, como a das
mulheres negras, por exemplo, sequer foram nomeadas ou foram tardiamente. E não
se resolve um problema que sequer é nomeado. E eram nomeados pelas mulheres
negras, mas essas mulheres demoraram a ser vistas como sujeitos políticos. O
machismo e o racismo estruturam todas as relações sociais, e é preciso existir
um debate maduro em relação a isso. Tanto machismo como racismo são
institucionais, e por isso ainda encontramos muita dificuldade para
combatê-los. *Agência Pública
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