Na avaliação do senador Paim, o debate demonstrou a completa ausência
de dados, expectativas, projeções e cálculos atuariais para basearem a
reforma prevista pelo atual governo. "Tanto que a justiça pediu os dados
e o governo permanece calado. Não apresentaram nada que sustentasse
esse tipo de reforma”, disse.
"Há um conjunto de políticas macroeconômicas, trabalhistas e
previdenciárias que atingirão com muita violência a previdência e o
governo não nos mostra nenhum estudo de impacto, como se fossemos
cidadãos de quinta categoria, uma sub-raça que pode engolir qualquer
tipo de reforma da previdência sem nenhum questionamento”. A crítica é
da professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise
Lobato Gentil, durante reunião da CPI da Previdência, nesta
segunda-feira (8).
A segunda audiência pública da CPI debateu prioritariamente a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC 287/2016). O projeto encontra-se
em debate na Câmara dos Deputados e altera, segundo o texto aprovado na
Comissão Especial, a idade mínima para aposentadoria. 53 anos para
mulheres e 55 anos para homens. Após a promulgação da emenda, caso
aprovada, a idade mínima será elevada em um ano a cada dois anos. Nos
dois casos exige-se 25 anos de contribuição.
"As contas estão erradas. Essa reforma precisa ser interditada”
Apoiada por uma apresentação, Denise Gentil afirmou ser
"decepcionante” para o cidadão brasileiro saber que a reforma da
previdência apresentada pelo atual governo está sendo construída em cima
de fraudes matemáticas e atuarias. "As contas estão erradas. Essa
reforma precisa ser interditada. Ela está errada desde a sua origem, que
é o modelo atuarial”, disse.
Segundo o governo, caso não haja a reforma previdenciária, de acordo
com projeção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2018, em 2060 o
déficit do INSS chegará a R$ 10 trilhões, o que significaria 11,29% do
Produto Interno Bruto (PIB) estimado para o ano.
O governo tem errado durante décadas nos cálculos e estimativas de
receitas previdenciárias por utilizar dados desatualizados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios, diz a professora. Até março de 2017
eram usados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
de 2009. Desde então o governo utiliza dados da pesquisa de 2014. Em sua
avaliação é um erro utilizar dados rígidos e ignorar variáveis para
basear reformas como a da previdência. Na atual reforma (PEC 287), o
governo faz uma simulação até o ano de 2060 para basear a necessidade de
reformar as regras de acesso à aposentadoria.
Outra crítica é a ausência de apresentação de dados, por parte do
governo, sobre a supressão de receitas ao longo da política monetária
que afetam os cofres da previdência, além da adoção de políticas
recessivas que impactam diretamente a principal fonte de renda da
previdência – a folha de pagamentos. O Brasil possui atualmente cerca de
14,1 milhões de desempregados.
"Como o governo decide fazer uma reforma trabalhista sem dizer aos
cidadãos que isso vai afetar as receitas da previdência no mesmo
instante em que ele está propondo uma reforma da previdência sem sequer
mostrar seus impactos. Estamos às cegas”, criticou.
Para Guilherme Delgado, pesquisador do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), a moldura do orçamento da Previdência Social,
dentro da seguridade social, está comprometida e a falta de
transparência da peça orçamentária é a principal responsável por esse
comprometimento. "Essa questão se origina da obscuridade de como é
montada a peça orçamentária da Previdência Social. A falta de informação
ou a deformação da informação são fatais num sistema de política
pública”, resumiu.
Eli Iola Gurgel de Andrade, professora da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), chamou atenção para o fato de os argumentos
utilizados pelo atual governo se assemelharem aos utilizados pelo
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na reforma previdenciária de
1998.
"O cenário era muito parecido. A situação apresentada para a
Previdência era de falência porque havia uma situação de perda da
relação de dependência contribuintes ativos e o número de inativos.
Temos de fazer uma devassa nessa contabilidade que está sendo usada para
fazer as estimativas de falência da previdência”, disse. O senador Jose Pimentel (PT-CE) enfatizou a semelhança existente,
inclusive, nos discursos dos apoiadores daquela e desta reforma. "Se
pegarmos os discursos daqueles, na época, e dos [apoiadores] de hoje e
não dissermos a data [em que foram proferidos], veremos que os
argumentos são os mesmos. Era uma projeção feita em cima de dados
falsos”, apontou.
Pimentel, ex-ministro da Previdência, explicou que entre os anos de
2009 e 2015 a previdência contributiva urbana passou a ser
financeiramente equilibrada. O senador explicou que após o pagamento de
todos os benefícios da área urbana ainda sobrava cerca de R$ 30 bilhões
anuais nos cofres da Previdência Social.
"Exatamente por isso esse ministério [da Previdência] foi extinto em
março de 2016 e o cofre transferido para o ministério da Fazenda, em que
o ministro [Henrique Meireles] era presidente do conglomerado JBS,
segundo maior devedor da Previdência Social. E, em 2016, deram um rombo
de 46 bilhões nessa conta que era positiva para justificar a reforma”,
explicou.
Exclusão social
Clóvis Scherer, coordenador do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apresentou estudo
apontando o potencial de exclusão social contido na PEC 287. Caso
estivesse em vigor, a carência mínima de 25 anos para aposentadoria,
como quer o governo, 79% dos segurados que se aposentaram por idade em
2015 não teriam obtido o benefício.
"As pessoas aposentadas por idade são justamente aquelas com a maior
dificuldade de inserção laboral, de continuidade da contribuição. Se
tratam de pessoas que cumpriram o requisito de idade, 65 anos para
homens e 60 para mulheres. Esse é um dado preocupante que pode projetar a
exclusão de uma parcela importante do acesso à aposentadoria. E a
parcela mais vulnerável”, disse.
A professora Rivânia Moura, da Universidade Estadual do Rio Grande do
Norte, classificou a PEC 287 como uma contrarreforma que traz um
"retrocesso total no curso da política de proteção social”. Para ela,
vivemos um momento de aprofundamento do processo de reforma do Estado de
modo mais acelerado e severo, no que visa ampliar o superávit primário.
E dentro desse processo está a reforma da previdência.
"Toda a lógica envolvida implica como contrapartida a diminuição dos
gastos com as necessidades dos trabalhadores. As mudanças têm essa
perspectiva. A previdência social sempre foi superavitária. O problema é
de gestão, fiscalização, arrecadação e cobrança. É artificial o déficit
da previdência”, disse.
O Dragão debaixo da cama
O senador Paulo Paim ainda anunciou o lançamento do livro "O dragão
debaixo da cama”, no próximo dia 29. De acordo com Paim, mais de 50
especialistas escreveram artigos expondo opiniões e dados acerca da
previdência social no Brasil.
Acesse as apresentações
Confira a apresentação de Denise Lobato Gentil
Confira a apresentação de Eli Iola Gurgel de Andrade
Confira a apresentação de Guilherme Delgado
Confira a apresentação de Clóvis Scherer
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