Franklin
propõe um percurso para que possamos entender o papel desempenhado pelos meios
de comunicação de massa no golpe. Emanam discursos que naturalizam o que a
elite brasileira, essa que deu o golpe e o toca adiante, pensa. Para essa
elite, o povo brasileiro não é patrimônio do país. Sua ética é predatória, de
fazer a gestão do país para benefício de um terço da população. O papel da
grande mídia é naturalizar esses discursos de vira-latismo, fazendo com que as
políticas públicas, como o Bolsa Família, a política de cotas, passem a ser
percebidos como instâncias de discriminação social.
"Para
eles, para esta elite, falta de serviços públicos, é natural que não tenha. O
natural é reduzir o tamanho do Estado. Reprimir o povo também é natural, se não
entram na casa da gente. É natural reduzir o tamanho da importância do país. O
Bolsa Família é o Bolsa esmola. Aumento do salário mínimo real quebra o país.
Fortalecer o consumo interno, dinamizar a economia, não é natural para eles.
Para eles, o Brasil é o quintal dos Estados Unidos. O resto do país tem que ser
o quintal de São Paulo”, argumentou Franklin.
O
jornalista chama a atenção para as origens do golpe. A eleição de 2014 é o
marco de uma expectativa que os golpistas tinham e que não se traduziu nas
urnas. De fato. Aécio Neves perdeu a eleição no segundo turno para a Dilma, em
outubro, depois que o avião do candidato Eduardo Campos (PSB) caiu em agosto e
emergiu a figura de Marina Silva como candidata progressista. A vitória de
Dilma pode ser considerada uma vitória da resistência a partir de uma
experiência prática de uma grande parcela da população brasileira de melhora de
vida. "Nas eleições de 2014, a opção era entre o muda mais ou o volta atrás.
Eles foram derrotados e não aceitaram.”
Janela
de oportunidade e erros
Se
os governos do PT melhoraram a vida de milhões de pessoas e, basicamente, o
golpe foi dado pelas razões acima expostas, por que não houve reação popular
para manter Dilma no comando? Há, segundo Franklin Martins, dois fatores
fundamentais para que o golpe se estruturasse. Além da naturalização das
conquistas e do apagamento da importância das políticas públicas, com a ajuda
fundamental da grande mídia, Franklin aponta que os golpistas enxergaram uma
janela de oportunidades para o golpe a partir de quatro grandes e fundamentais
erros cometidos pelo campo progressista.
Franklin
aponta os últimos anos do ciclo Lula-Dilma como aqueles em que o campo
progressista abdicou da luta política. Assim, os golpistas puderam modificar a
agenda de conquistas e a melhora das condições de vida para a agenda dos
malfeitos. O argumento de Franklin é que 2014 começou com 4,8% de desemprego,
quer dizer, uma economia em pleno desenvolvimento e sólida. "Quem aceita a
agenda do adversário, já perdeu a luta política. Não perdemos a eleição porque
se percebeu que era indispensável fazer a disputa. Era fazer mais ou
retroceder. O projeto estava em risco e as pessoas se mobilizaram na eleição de
2014. Depois, não travamos a luta política com a intensidade que deveríamos
travar”, diagnosticou.
O
segundo erro que Franklin aponta decorre de uma vitória da narrativa que
naturalizou a corrupção como parte integrante da democracia e marginalizou a
política. Há, no Brasil, um sistema político promíscuo. Agentes políticos, a
própria política e financiadores de campanha não podem mais ser dissociados. "Não
aceito isso. Muitos se acomodaram diante da narrativa da grande mídia para a
aceitação da ideia de que a promiscuidade faz parte da democracia. Faz parte da
democracia atrasada. No nosso sistema político, o dinheiro prevalece de uma
forma brutal”, disse Franklin.
Aceitar
que quatro ou cinco grandes grupos de comunicação dirijam o país e façam o que
bem entendem com a opinião pública foi o terceiro grande erro do campo
progressista, na visão de Franklin Martins. Ele conta que, quando foi convidado
por Lula a participar do governo, sugeriu que o presidente deveria disputar a
narrativa de seu governo progressista nos meios de comunicação de massa.
Deveria dar entrevistas, explicar os programas sociais, onde havia mais
audiência e regular a mídia.
O
tema não foi enfrentado como deveria. Franklin vê como positiva a realização da
Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) em 2013, mas não tem explicações
para a o fato de a proposta de regulação da mídia que deixou com o governo
Dilma não ter prosperado. "Sou um moderado. E aprendi muito de comunicação
pública no governo. Sou a favor da regulação da telefonia e da radiodifusão
porque são concessões públicas. Esses grupos não cumprem a lei, e o Estado
assiste a isso passivamente. Quem defende a necessidade de regulação é
satanizado. Estados Unidos e Europa proíbem a propriedade cruzada. Quem tem
rádio, não pode ter TV ou jornal. No Brasil, isso é permitido. É para ter mais
voz. Isso não passa se o nosso campo político não aprender que é impossível ter
democracia com esse oligopólio da comunicação”, explica.
Último
erro
Antes
de apresentar o quarto "erro gravíssimo” apontado por Franklin, falemos sobre
alguns indicadores econômicos que ele utilizou durante o Painel no Teatro Dante
Barone, para refletir sobre o discurso dos golpistas. Eles têm repetido à
exaustão que deram o golpe porque os governos petistas gastaram demais e que
precisam arrumar a casa por conta da crise criada pelos investimentos sociais.
Franklin diz que essa tese não passa de "uma mentira”.
Os
golpistas atribuem ao custo do trabalho a culpa por uma crise que tem
antecedentes e causalidades em outra questão muito mais profunda. Trata-se do
custo do capital, do câmbio e dos 13,75% em que a taxa de juros, a Selic, está.
Sob inflação de cerca de 7% a 8%, o juro real que o país paga é de 7 a 8%.
Franklin compara os mesmos indicadores nos Estados Unidos e na Europa em
recessão. Há economias centrais que chegam a trabalhar com taxas de juros
negativas. O impacto dessa alta das taxas de juros incide sobre o problema do
pagamento de juros da dívida. Se, em 2015, o investimento no Bolsa Família foi
de R$ 27 bilhões, o pagamento de juros da dívida atingiu R$ 397 bilhões. Este
valor é quatro vezes superior ao que Dilma gastou com educação no mesmo ano e
quatro vezes superior ao gasto com saúde. Em 2016, a previsão é que o pagamento
dos juros da dívida consuma R$ 500 bilhões do orçamento, quase 20 vezes o que
se investe no Bolsa Família. "O que eles querem agora é cortar investimentos
sociais para pagar os rentistas”, acrescenta.
A
esperança da experiência
Os
golpistas foram muito longe e não podem recuar. Não têm toda essa coesão entre
eles que se possa imaginar. Já há divergências, desavenças, e o principal: não
foi um governo com legitimidade, eleito pelo voto, mas fruto de um golpe.
Franklin Martins se diz otimista com o futuro do campo progressista. Por certo
a derrota está dada, os erros, inclusive a soberba, foram decisivos para frear
os avanços sociais obtidos nos últimos 12 anos. Porém, os primeiros seis meses
de governo interino Temer mostram uma incapacidade política e de gestão de
recuperar o país da crise. Franklin já vê o mergulho em uma depressão, com
baixo crescimento econômico por conta do projeto de austeridade, o que, a médio
prazo, pode fazer a experiência de melhora de vida de milhões de brasileiros
bater na porta do golpe e perguntar por que, depois de tanto tempo, ainda
culpam a Dilma se o desemprego e a crise aumentam?
Franklin
se diz um otimista. "Apesar de tudo, sou a médio prazo, um otimista. Talvez
seja um defeito meu. Aprendi quando militei contra a Ditadura Militar que
tínhamos que lutar por um dia melhor que o outro. Não tínhamos a ilusão de
derrubar o regime militar, mas a situação era tão ruim que a luta era por um
dia melhor. Aprendi que quando a situação está horrível, tem que ver o que traz
de energia para mudar lá na frente. Eles (os golpistas) não estão com essa bola
toda. Nós temos que resistir na coisa de fundo que é a criação de um programa
de recuperação econômica que tira da agenda o pagamento de juro da dívida para
os bancos. Acho que o povo vai dar a volta por cima. Não sei quando”, disse
ele.
É
preciso que os sindicatos, os movimentos sociais se juntem, fortaleçam suas
redes de comunicação e apostem em campanhas que demonstrem que o problema do
Brasil não é investir na melhora da condição de vida do trabalhador. Segundo
Franklin, essa narrativa precisa emergir para aproveitar, mais adiante, a falta
de resposta dos golpistas para a queda de qualidade de vida de uma parcela muito
significativa da população brasileira. "Manchete de jornal não é mais forte que
a experiência das pessoas. Precisamos reconstruir nossas pontes populares.
Termino com algo que aprendi com o Darcy Ribeiro: Eles ganharam mas eu não
queria estar no lugar de quem nos derrotou.”
Formação
da mesa
A
mesa do Painel com Franklin Martins foi mediado pelo secretário de Comunicação
da CIT-RS, Ademir Wiederkehr. O deputado estadual Adão Villaverde (PT-RS),
garantiu o espaço do Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa. A mesa foi
composta também por Claudir Nespolo (presidente da CUT-RS), Juberlei Bacelo
(secretário de comunicação da Fetrafi-RS), Roni Barbosa (secretário nacional de
comunicação da CUT), Milton Simas (presidente do Sindicato dos Jornalistas RS),
Marcos Führ (secretário de comunicação do Sinpro-RS), Cleonice Back
(coordenadora da Fetraf-RS, agricultura familiar), João Batista Xavier
(presidente da Federação Democrática dos Trabalhadores na Indústria do
Calçado do RS), Maria Helena de Oliveira (Diretora do Semapi-RS), Vera
Gasparetto (Escola Sul da CUT).
A
derrota
"O
país, o povo, tivemos uma grande derrota. Não vamos subestimar a derrota.”
Golpe
no voto
"As
forças conservadoras impuseram um programa derrotado nas urnas. Foi um golpe
basicamente em cima do voto. Não é voto contra o Lula, a Dilma, o PT. É contra
a democracia. É o voto que organiza as instituições do país. Foi um voto contra
a vontade manifestada pelo povo brasileiro nas urnas. Nas eleições de 2014, a
opção era entre o muda mais ou o volta atrás. Eles foram derrotados e não
aceitaram.”
Golpe
inesperado
"Vamos
ser francos. Pessoalmente não esperava por isso. Acredito que a maioria de nós
não esperava por isso. Eu achava que as forças conservadoras do país tinham
perdido o apreço pelos regimes de força, ditatoriais. Pessoalmente, eu achava
que a Ditadura tinha ensinado a esquerda e a direita a serem mais democráticos.
E não foi isso o que aconteceu. Eles perderam a eleição e saíram pregando o
golpe e organizando o golpe.”
A
elite
"Repensar
muita coisa. A nossa elite não é uma elite. É um grupo de predadores. Que só
pensa em si própria. Não pensa: ‘vou ficar mais rico e deixar o país mais
rico’. Ela pensa: ‘vou ficar mais rico e o resto que se dane’. Não temos uma
elite que produz pensamento político, mas predadores, medíocres sem identidade
com o país.”
Golpe
pelos acertos
"O
golpe foi fruto dos nossos acertos. Cometemos erros? Cometemos. O golpe veio
por causa dos nossos acertos que mudaram a face do país. Aquela aliança
conservadora não se conformou com os avanços democráticos destes 12 anos. A
maioria dos governos, com exceção de Getúlio Vargas, até então se dirigia ao
povo mais ou menos assim: ‘Eu até queria governar para todo mundo, mas não dá.
E governaram para um terço da população. Os outros dois terços que se virem.
Esses dois terços para eles eram um peso, um estorvo. Eles não encaram o povo
brasileiro como um patrimônio. Para eles o povo não cabe no Brasil, não cabe no
orçamento, não cabe nas políticas públicas.”
Grande
mídia
"Por
que, com determinado partido, se tem 18 minutos na TV e com determinado
partido, 18 segundos? No primeiro mandato de Lula, havia a ilusão do vai
levando, vai levando que a gente chega lá. Em 2005, veio o mensalão. Jogamos
todo o dia com o adversário que é o dono da bola. Íamos perder de 5 a 0 todos
os dias. Mas também podíamos perder de 4 a 1, de 3 a 2 e, às vezes, até ganhar.
O segundo mandato de Lula foi de disputa. Teve o 2º Confecom. O governo não vai
apoiar controle social da mídia. O debate sobre concessão tem que ser liderado
pelo debate concedente, pelo governo. Não foi adiante. Esse assunto dá porrada
e não dá voto. É um problema da nossa base política. Eles naturalizaram n o
Brasil que a radiodifusão é de propriedade do grupo que a controla e não algo
do serviço público que tem que ser cobrado. É do Código de 1962.”
*Clóvis Victória/Imprensa SindBancários Fotos: Caco Argemi |