08/06/2017 | 16:06:00
Damous e a reforma política: quando o ótimo é inimigo do bom
O modelo atual propicia a corrupção
 

Os problemas crônicos para o exercício de cargos eletivos no Brasil têm origem no sistema pelo qual são eleitos os nossos parlamentares e governantes. O modelo atual propicia terreno fértil para que prosperem o compadrio, o fisiologismo, o clientelismo e a corrupção.

O ideal seria, portanto, que os setores democráticos e progressistas da sociedade, a partir de um alto patamar de mobilização e de capilarização desse debate, reunissem condições objetivas para um choque radical de democracia e cidadania nesse sistema no curto prazo.

A convocação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política, com o mandado de seus integrantes encerrando-se com a conclusão dos trabalhos, seguida da convocação de um plebiscito para que a população chancele o texto elaborado pelos constituintes, teriam o condão de revolucionar o jeito de se fazer política no país, removendo expressiva parcela de seus vícios, imperfeições e distorções.

No entanto, aqui faço uso de um conhecido conceito marxista, segundo o qual como instrumento de análise e intervenção na política, a realidade deve ser a medida de todas as coisas. E a correlação de forças no Congresso Nacional e na sociedade, hoje, está longe de oferecer as condições para que operemos a mudança estrutural profunda exigida.

O que não quer dizer que as bandeiras da Constituinte exclusiva e do plebiscito devam ser abandonadas. Ao contrário, seguirão como referências, como eixos do projeto estratégico das esquerdas em uma perspectiva mais de longo prazo.

Nada impede, contudo, que cerremos fileiras pela aprovação de mudanças imediatas e possíveis no sistema. São bem-vindas, por exemplo, novas regras que contribuam para o fortalecimento dos partidos políticos. Precisamos urgentemente romper com a tradição da política brasileira de partidos pouco ou nada programáticos. Essa geleia geral de siglas sem perfil ideológico e programas claros é uma das causas da degradação do sistema.

A adoção do voto em lista fechada, pré-ordenada, é um passo fundamental para o fortalecimento das agremiações partidárias. Os críticos da lista argumentam que sua implementação reforçaria o poder dos caciques partidários, como se eles já não dessem as cartas no sistema proporcional vigente, e que tiraria do eleitor o direito de conhecer e votar nos candidatos de sua preferência, menosprezando a importância do eleitorado conhecer as ideias defendidas pelo partido do candidato. E sem partidos fortes não há democracia que mereça esse nome.

Para reduzir o poder de influência dos caciques, poderíamos criar a figura das eleições primárias para a composição da lista. Dessas primárias, participariam não só os filiados ao partido, mas qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos e que tivesse interesse em participar.

Cabe assinalar que o voto em lista fechada só tem sentido se vier acompanhado do financiamento público das campanhas. Embora a proibição do financiamento empresarial contribua para o saneamento do sistema, as campanhas no Brasil ainda estão entre as mais caras do mundo.

Urge torná-las mais baratas e acessíveis ao maior número possível de candidatos. A verdadeira montanha de dinheiro gasta nas campanhas, todos sabem, está na raiz da abertura dos cofres públicos aos financiadores dos candidatos, como compensação. Não é exagero dizer que o financiamento privado, por parte de pessoa física ou jurídica, é a mãe dos esquemas de corrupção na política.

Mas é forçoso reconhecer que as mudanças aqui sugeridas provocariam um giro de 180 graus na cultura política do país. Por isso, para quebrar a resistência a elas, tanto o relator do projeto de minirreforma política que tramita na Câmara, deputado Vicente Cândido, como o responsável pelo relatório de uma das muitas iniciativas de reforma que não foram à frente na Casa, deputado Henrique Fontana, ambos do PT, apresentaram dispositivos para quebrar a resistência dos parlamentares.

Fontana propôs um modelo híbrido, com o qual simpatizo, através do qual o eleitor votaria duas vezes : no primeiro voto, escolheria a lista do partido de sua preferência; depois, optaria por um dos candidatos dessa lista. Na prática, então, caberia ao eleitor a ordenação da lista. O total de votos na lista partidária determinaria o número de cadeiras a serem ocupadas por cada partido. Já o segundo voto definiria os titulares desses mandatos. Teríamos um sistema proporcional misto.

Já o texto de Vicente Cândido mantém o voto em lista, mas propõe outro mecanismo  para o segundo voto : a escolha de candidatos que concorram por distritos. Esse sistema vem sendo chamado de distrital misto, uma cópia do modelo alemão. O fato é que tanto o voto em lista como o financiamento público se inserem entre as medidas imprescindíveis para que o país saia do atual atoleiro institucional.

*Wadih Damous – deputado federal e ex-presidente da OAB