Por um lado, houve transformações reais no capitalismo, que
modificaram o lugar do trabalho e sua própria natureza, nos processos de
reprodução do capital. Inquestionavelmente, as relações formais de
trabalho diminuíram, embora a produção tenha aumentado exponencialmente.
Basta considerar quantos trabalhadores estão hoje na indústria
automobilística brasileira – muito menos que há algumas décadas – e,
ainda assim, como aumentou enormemente a produção de veículos. O que
significa um aumento brutal da exploração do trabalho. Em outras
palavras, o trabalho é responsável, cada vez mais, pela criação dos
valores na sociedade capitalista, mas explorando mais a menos
trabalhadores.
No seu conjunto, nunca tanta gente vive do seu trabalho como
atualmente no capitalismo mundial. Nunca o trabalho foi a atividade tão
determinante na vida de tantas pessoas como agora. É a atividade mais
importante da humanidade.
No entanto, na opinião pública, é como se o trabalho fosse
desaparecendo, como se fosse uma mera atividade entre outras. Na própria
identidade dos trabalhadores, o autorreconhecimento como trabalhador
foi diminuindo de importância.
Cada vez menos trabalhadores se reconhecem como trabalhadores como
sua identidade fundamental. Tendem a reconhecer-se como brasileiros,
como paulistas ou cariocas, como corintianos ou flamenguistas, como
negros ou como brancos, como evangélicos ou como católicos, como
homossexuais ou como heterossexuais, como motorista ou como ciclistas,
para dar alguns exemplos. Há algumas gerações, as identidades de
trabalhadores, operários, bancários, professores, eram determinantes.
A ideologia dominante contribuiu também para essa situação,
escondendo do imaginário público as atividades dos trabalhadores,
personagens que não aparecem na visão social, enquanto a maioria das
pessoas passa grande parte da vida trabalhando.
É certo que proporcionalmente cada vez menos pessoas têm empregos
formais, com carteira assinada, o que contribui para essa situação. Mas a
realidade é que mais gente vive do seu trabalho. É certo que a própria
atividade do trabalho foi ganhando maior heterogeneidade, tanto na
direção do trabalho intelectual, quanto nas múltiplas e diversas
atividades do subproletariado, incluindo todas as expressões do trabalho
informal.
Essa complexidade exige um esforço conjunto das entidades sindicais e
de centros de pesquisa que permitam uma redefinição das próprias
categorias de trabalho, incluindo sua abrangência, tanto para cima do
trabalho operário tradicional quanto para baixo, na estrutura social.
Nunca a categoria trabalhadora abrangeu tanta gente, mas nunca de
maneira tão heterogênea.
É necessário um intenso processo de resgate do mundo do trabalho, da
categoria trabalho, de revalorização do trabalho e das suas atividades
sociais de criação de valor e de lutador pelos direitos da grande
maioria da humanidade, que vive do seu trabalho cotidiano.
*Emir Sader para RBA |