A democracia é barulhenta, implica a participação popular,
muitas vezes desordenada, em uma sociedade tão plural como a nossa. O
povo grita, diz o que pensa, acerta, erra, dá volta, contorna, retoma o
seu caminho. A democracia é incômoda, movida pela busca permanente de
soluções, com a intervenção dos mais diversos setores da sociedade, que
buscam defender seus interesses.
Democracia implica instituições sólidas, legítimas, em governos
eleitos pela vontade popular, mediante organizações que representem os
mais diversos setores da sociedade. Governar sem democracia é impor a
vontade de uma minoria sobre o conjunto da população. É preciso
manipular a consciência das pessoas mediante uma mídia a serviço das
oligarquias, é reprimir manifestações populares, como meio de sustentar
governos sem apoio nem legitimidade, isolados.
Hoje o Brasil precisa de mais e não de menos democracia, de mais e não de
menos participação popular. A democracia é o único marco possível para
resolver a crise atual, porque ela permite que a maioria da população
decida como quer que o país resolva a crise. A crise atual decorre da
ruptura dos canais de expressão e de organização democrática, que
colocou o poder nas mãos de uma minoria, que coloca em pratica um
programa rejeitado pela maioria da população.
Só a democracia permite instaurar-se um governo com
legitimidade, porque eleito livremente pela maioria. Por isso, só a
democracia permite a estabilidade politica, a credibilidade nos
governos.
No Brasil de hoje, a crise só pode se aprofundar se permanecer
sendo gerenciada por um governo eleito indiretamente, que se propõe a
manter e aprofundar as medidas econômicas que levam à maior crise social
e o maior isolamento politico que um governo pode ter. Ainda que
encontrassem a alguém com menos ou nenhuma acusação de corrupção, a
razão fundamental do isolamento do governo Temer é sua política
econômica. E todos os que buscam eleição indireta estão a favor de
manter a política econômica. Mesmo os tucanos, que dizem preferir a um
dos seus no lugar do Meirelles, querem manter a política econômica
neoliberal.
Se o programa neoliberal foi derrotado quatro vezes
sucessivamente, com o governo Temer, a partir das consequências
desastrosas econômica e socialmente desse governo, quem quer que fosse
escolhido para sucedê-lo, herdaria a mesma impopularidade. A via
indireta está condenada assim à impopularidade.
Ninguém duvida que a via democrática reserva a Lula a
preferência popular, antes de tudo porque seu governo colocou em pratica
uma politica de desenvolvimento econômico com distribuição
de renda, na contramão do neoliberalismo. Em um certo momento, Renan
Calheiros disse que não haveria eleições diretas porque Lula ganharia,
revelando a profundidade das convicções antidemocráticas da elite
politica brasileira.
Mas o país sóÂ se reencontrará consigo mesmo, sóÂ se
reconhecerá na sua vida pública, mediante a participação democrática de
todos, por meios das eleições diretas. Foi assim no fim da ditadura,
quando a luta por eleições diretas não conseguiu os dois terços necessários no
Congresso, embora fosse um clamor nacional. E se viram as
consequências: o primeiro governo civil depois da ditadura militar,
eleito de forma indireta, não expressou a força democrática acumulada na resistência à
ditadura, tendo num prócer do regime militar, Sarney, seu presidente. A
transição democrática foi frustrada, e até agora o pais paga o preço dessa frustração.
*Emir Sader para RBA |