Dando continuidade à jornada de debates de que vem participando no
Brasil e no Exterior, Dilma falou sobre o golpe que sofreu, sobre o
presente e, principalmente, sobre o futuro. "O presente nós perdemos.
Não podemos perder o futuro”, resumiu ao final de sua fala, apontando
aquele que entende ser o principal desafio do presente: "Temos hoje uma
tarefa central que é ampliar os espaços democráticos do país. Precisamos
debater com a sociedade, falando a verdade. Na ditadura, a gente tem
que lutar para mentir e isso não é fácil. Na democracia, é preciso falar
a verdade e nós precisamos falar a verdade sobre o golpe, seus agentes e
suas reais intenções”.
Dilma Rousseff foi recepcionada pela diretora do IFCH, Claudia
Wassermann, pela vice-diretora, Maria Izabel Noll, e pelo ex-reitor da
UFRGS e ex-professor de Dilma, Helgio Trindade. Claudia Wassermann
lembrou o compromisso do Instituto e da Universidade com a defesa da
democracia e do espaço crítico e apresentou a presidenta eleita como um
exemplo de caráter e de luta. "Estamos recebendo aqui a última
presidenta eleita pelo voto popular. A UFRGS não poderia se eximir de
recebê-la neste salão de atos”, disse Helgio Trindade. Recebida aos
gritos de "Dilma guerreira, mulher brasileira”, a convidada especial
proferiu a aula inaugural do IFCH que teve como tema "Os desafios da
democracia no Brasil”.
A palestrante não dourou a pílula. "O leão não é manso” foi a última
frase da aula inaugural. No percurso de sua fala, Dilma Rousseff tratou
de conectar as reais motivações do golpe parlamentar que sofreu, os seus
protagonistas, sua agenda política e os desafios que a situação
presente coloca para o futuro imediato. Como vem fazendo em suas
intervenções públicas, ela enfatizou o caráter estratégico da defesa da
democracia e o preço que estamos pagando hoje por escolhas feitas no
período da redemocratização:
"Sempre que tivemos mais democracia nós ganhamos. Quando não temos
democracia, nós perdemos. Por isso, precisamos ampliar os espaços de
participação. Na passagem da ditadura para a democracia, nós tivemos uma
transição por cima, que não julgou os torturadores e ocasionou graves
danos com repercussões no presente. Quando o deputado Bolsonaro votou a
favor do meu impeachment, ele votou também a favor da tortura e do
torturador que me aterrorizou. Em um pais democrático, isso não
aconteceria. Nós precisamos de um acordo por baixo no Brasil e só tem um
jeito disso acontecer: eleições diretas para presidente da República”,
defendeu.
Dilma advertiu para os riscos que a democracia brasileira corre no
presente. "As pessoas perderam o seu voto e agora começaram a perder
seus direitos. Com isso, o governo e a política começam a se tornar
irrelevantes, abrindo caminhos para aventureiros, o preconceito e a
intolerância. O aumento do nível de desigualdade torna a população mais
refratária à democracia. Isso está acontecendo no mundo inteiro. O que
está em crise é o sistema político que sustenta essa desigualdade. Com o
atual sistema político, o Brasil é ingovernável. Esse sistema é marcado
por uma fragmentação partidária. Nós não temos 25 programas distintos
para o Brasil, mas temos 25 partidos representados no Congresso. Com
exceção de alguns poucos que tem um programa, o restante vive para
negociar cargos, emendas e benesses”, resumiu.
A presidenta eleita também defendeu o direito de Lula se candidatar
em 2018 e alertou para as tentativas de evitar que isso ocorra. "Lula
vem sofrendo uma sistemática tentativa de destruição que tem resultado
no seu crescimento nas pesquisas. Eles ainda não têm candidato. Se não
encontrarem um, tentarão evitar a realização de eleições em 2018 ou
inviabilizar a candidatura Lula. Se a candidatura de Lula for
inviabilizada porque ele pode ganhar a eleição, teremos algo que é
antípoda da democracia˜. Ela também criticou o papel que a mídia vem
desempenhando neste processo, em especial a Rede Globo de Televisão que
apontou como "um dos grandes lideres do processo do golpe”.
"A mídia é um setor como qualquer outro que também é afetado pela
oligopolização. Para barrar isso, precisamos de uma democratização
econômica da comunicação ou, para usar uma expressão do mercado,
promover a livre concorrência neste setor. Mas as empresas de mídia não
gostam da livre concorrência. Também não podemos aceitar que a mídia
vire tribunal, fazendo condenações sem respeitar o direito de defesa e o
devido processo legal”.
Dilma Rousseff chamou a atenção também para os riscos que o Brasil
corre com o desmonte da rede proteção social e com as propostas de
Reforma da Previdência e Trabalhista. "Com o desmonte da rede de
proteção social, o Brasil cairá na maior miséria. A proposta de Reforma
Trabalhista, com uma profunda desregulamentação do mercado de trabalho e
o fim da CLT representa um retrocesso inominável. É algo amoral”. Ela
também criticou a medida que congela os investimentos em saúde e
educação por vinte anos, definindo-a como um "crime contra o futuro do
país”, e defendeu que a principal reforma que o Brasil precisa não é a
da Previdência, mas sim a Tributária:
"O Brasil paga muito imposto sim, mas quem paga é a classe média e os
trabalhadores. Ganhos de capital não pagam imposto no país. O Brasil,
junto com a Estônia, é o único país que não tributa dividendos, porque
isso, supostamente, afastaria investidores. De onde podemos concluir que
o Brasil e a Estônia são os únicos países que não afastam os
investidores”, ironizou. Para Dilma, o pato amarelo da Fiesp (Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo) é um símbolo dessa recusa dos
mais ricos em pagar impostos. "Toda crise implica um conflito
distributivo. Nós propusemos a retomada da CPMF com um índice de 0,38%
sobre as transações financeiras. Eles não quiseram porque a CPMF permite
indicar onde está a fraude fiscal. Por isso eles demonizaram a CPMF e a
mídia conseguiu fazer com que as pessoas fossem contra os seus próprios
interesses”.
Dilma falou ainda sobre a gramática misógina do golpe, que foi
marcada por uma série de agressões dirigidas diretamente contra ela.
Essa gramática, assinalou, opera com certas dualidades entre homens e
mulheres. "A mulher é dura, enquanto o homem é forte. A mulher é
instável emocionalmente, enquanto o homem é sensível. A mulher é
obsessiva e compulsiva com o trabalho, enquanto o homem é um
empreendedor, e assim por diante. Essa gramática esteve presente em todo
o discurso golpista”.
Mas a razão profunda do impeachment e do golpe, destacou, é a
tentativa de enquadrar o Brasil no neoliberalismo, retomar e aprofundar o
processo que foi interrompido com a primeira eleição de Lula. Essa
tentativa de enquadramento, acrescentou, enfrenta hoje alguns dilemas e
contradições. "Se o governo ilegítimo entregar o pacote das reformas
para a mídia e o mercado, ele deixa de ter serventia. Se não entregar,
ele perderá sua legitimidade diante desses setores”. Uma das expressões
das contradições que atravessam o campo do golpismo, observou, é o
crescimento da candidatura de Bolsonaro. "Acho que vamos ter um conflito
entre a extrema-direita e a direita”, assinalou, lembrando os
resultados da última pesquisa de intenção de voto.
*Sul21
Foto: Guilherme Santos