O fim do sigilo das delações trouxe, além de algumas poucas
novidades, muitas confirmações sobre as suspeitas dos esquemas
industriais de corrupção do bando golpista, dos políticos e operadores
do PMDB, PP, DEM, PTB, PSB e PSDB.
Em teoria, portanto, não deveria haver motivos para o estarrecimento
com a publicação da íntegra das delações. O espanto se deve, entretanto,
aos vídeos estarrecedores dos depoimentos dos ex-diretores da
Odebrecht.
Os vídeos valem como uma pós-graduação acerca da supremacia do
capital e do mercado sobre a democracia e a República. Eles revelam de
maneira escolástica, para não dizer pornográfica, a existência de um
verdadeiro Estado paralelo do capital operando dentro do Estado de
Direito.
O fetiche do dinheiro desenvolveu uma patologia corruptora,
manifestada no poder prazeroso e excitante de comprar todo mundo e
qualquer coisa, como explicou o chefe da área de propinas da Odebrecht,
Hilberto Mascarenhas, com assustadora naturalidade e ironia.
A Odebrecht comprava corruptos como o "pastor” Everaldo, do PSC. Em
contrapartida, definiu o discurso privatizante que ele faria na
entrevista do Jornal Nacional e a postura no debate televisivo da
emissora para permitir a Aécio atacar a candidata Dilma. A Odebrecht se
vangloria, inclusive, de comprar dirigentes sindicais para refrear as
lutas e os movimentos dos trabalhadores.
Para a reprodução de esquemas tão sofisticados e profissionais, o
poder econômico certamente compra, além de políticos e partidos, também
intelectuais, juízes, procuradores, promotores, conselheiros de
tribunais de contas – autoridades que, todavia, seguem protegidas e
intocadas.
O depoimento de Emílio Odebrecht evidencia a hipocrisia da mídia,
sobretudo da Globo, que dissimula indignação com os procedimentos
conhecidos há pelo menos 30 anos. Assim, a mídia constrói a falsa
narrativa de que a corrupção no Brasil nasceu nos governos petistas
[sic]. O patriarca da empreiteira explicou, contudo, que a promiscuidade
da empreiteira com o Estado advém da época do seu pai, Norberto
Odebrecht, que fundou o conglomerado em 1944.
A dinheirama da Odebrecht que irrigou o sistema político brasileiro
só nos últimos 10 anos atingiu a cifra assombrosa de US$ 3,3 bilhões [R$
10,6 bilhões], valor superior ao PIB de mais de 40 países. Isso
expressa o poder de dominação do capital sobre a política; esclarece
como o capital deforma a democracia. O dinheiro é um poder que frauda a
soberania popular e corrompe a política para orientar, a partir do
controle do Estado, a concretização dos seus interesses e negócios.
Não se deve esquecer, ainda, a atuação de outras empreiteiras
investigadas na Lava Jato – OAS, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior,
Camargo Corrêa, Queiroz Galvão etc – e dos grandes capitais atuantes em
outros ramos econômicos nacionais e estrangeiros, como o bancário,
financeiro, imobiliário, petroleiro, agroindustrial, agronegócio etc –
que magnificam o poder corrosivo do dinheiro e do capital na política.
Na eleição de 2014, por exemplo, somente a JBS Friboi, multinacional
brasileira exportadora de carnes, distribuiu R$ 367 milhões a candidatos
de todos os partidos para todos os cargos – presidente, governador,
senador, deputado federal e estadual.
A democracia, para a oligarquia dominante, é uma mercadoria que tem
preço. Nas palavras do filósofo-senador Romero Jucá, renomado
especialista em "suruba” política, presidente do PMDB e líder da
cleptocracia do Temer no Senado, o preço dos políticos que se vendem é
maior que o praticado na Feira do Paraguai de Brasília [o que já é um
parâmetro].
Os sem-voto, aqueles da força-tarefa da Lava Jato que se oferecem ao
país como os puros, probos e honestos, se beneficiam desta realidade
inaceitável do poder do capital sobre a política para destruir o sistema
político e a democracia para, com isso, ampliar o poder das suas
corporações sobre o Estado e a própria política.
O desafio, ao contrário, está numa reforma política radical, que
extirpe toda e qualquer forma de financiamento da política, das eleições
e dos partidos com o dinheiro das corporações.
O capitalismo é incompatível com a democracia, por isso é imperativo
precaver a democracia com todos os antídotos contra o poder econômico.
Isso só será possível com uma reforma política que proíba o
financiamento empresarial da política e supere a idiossincrasia de um
sistema que permite que governantes eleitos com maioria absoluta dos
votos sejam reféns de oposições parlamentares chantagistas. *Jeferson Miola para GGN |