O objetivo é subsidiar ações do movimento social, sindical e
dos parlamentares, apresentando argumentos técnicos contrários à PEC 287,
proposta de reforma previdenciária do governo não eleito de Temer (PMDB). O
material está disponível aqui.
O Brasil de Fato MG conversou com o responsável pela redação
final do texto, o economista Eduardo Fagnani (Unicamp). Para ele, os discursos
pró-reforma de Temer baseiam-se em um conjunto de falácias, repetidas à
exaustão pela grande mídia sem o devido espaço para o dissenso. Ele aponta,
ainda, a necessidade de ampliar o debate com a população e organizar a pressão
sobre os parlamentares junto às suas bases eleitorais.
Impossibilidade de se aposentar
Essa reforma significa o fim da proteção na velhice. Se ela
passar, ninguém mais terá acesso à aposentadoria no Brasil, pois serão
necessários 65 anos de idade e 49 de contribuição para a aposentadoria
integral, ou seja, seria preciso entrar no mercado de trabalho aos 16 e ficar
ininterruptamente contribuindo durante quase meio século.
Para acessar a aposentadoria parcial, serão necessários 65
anos de idade e 25 de contribuição. Isso é absolutamente incompatível com o
mercado de trabalho brasileiro, onde mais de 40% dos empregos são informais,
sem carteira assinada. Em estados mais pobres, cerca de 65% dos empregos são
informais. Além disso, temos uma rotatividade muito grande.
De tempos em tempos, os patrões mandam trabalhadores embora
e depois contratam por um valor muito menor. Em média, de acordo com estudos do
Dieese, uma pessoa consegue contribuir, em um ano, cerca de 9 meses. Só por
esse dado do mercado de trabalho, vemos que dificilmente uma pessoa conseguirá
se aposentar.
Trabalhadores do campo
A situação é ainda mais grave quando se faz com que a mesma
regra valha para o trabalhador rural, que hoje tem cinco anos a menos, por
conta das condições de trabalho no campo. O mesmo acontece com trabalhadores da
educação, policiais, bombeiros. Mas o caso do trabalhador do campo chama a
atenção porque ele vai ter que contribuir mensalmente, mas o regime de safra da
agricultura familiar não permite que ele tenha dinheiro todo mês. Ele trabalha
um período, tem a safra e, hoje em dia, paga ao INSS sobre uma porcentagem da
produção. Com essas regras, como vai se aposentar?
Modelos europeus
O governo diz que quer tomar como modelos países europeus,
só que as regras propostas são mais duras que as da Europa. Não dá para
comparar países que são mais igualitários com o Brasil. Por exemplo, a
expectativa de vida média brasileira é 75 anos, mas em muitos países é 82, 83.
Só em 2060 teremos um padrão semelhante ao deles.
O nosso PIB per capita é cinco, seis vezes menor que o
deles. Além disso, somos um país heterogêneo regionalmente. Se a expectativa de
vida nacional é 75 anos, em mais da metade dos estados da federação ela é
inferior a isso. Se compararmos o Piauí a Santa Catarina, veremos dois mundos
distintos.
A heterogeneidade também pode ser percebida em um município.
Em São Paulo, a expectativa de vida é 75, 76 anos; nos bairros mais ricos, 79
anos; mas, em cinco distritos, é 54 anos. Então, como se pode adotar regras
superiores às dos países desenvolvidos em um país tão desigual e heterogêneo?
As mentiras que o governo conta
Essa reforma parte de três premissas equivocadas. A primeira
é certo "terrorismo demográfico”, que diz que as pessoas vão envelhecer e isso
seria uma catástrofe. Não é verdade. Diversos países enfrentaram essa questão
sem destruir seu sistema de proteção social. Existem alternativas técnicas e
nós mostramos isso.
Outro mito diz que existe um déficit explosivo na
Previdência e que esse déficit vai acabar com o sistema fiscal brasileiro. Na
verdade, não existe déficit, se for cumprido o que está na Constituição, é
simples assim. O fato é que, desde 1988, nenhum governo cumpriu rigorosamente o
que manda a Constituição.
O terceiro mito é de que a Previdência é o maior item do
gasto público. Isso é mentira. Por exemplo, em 2015, gastamos com o pagamento
de juros R$ 513 bilhões, mas, com a Previdência, gastamos R$ 460 bilhões. Os
juros beneficiam uma centena de rentistas e a Previdência beneficia, direta ou
indiretamente, de 90 a 100 milhões de pessoas.
Os defensores da reforma dizem que o gasto previdenciário
brasileiro é um ponto fora da curva, algo muito elevado na comparação
internacional. Não é verdade. Para provar isso, eles inflam os dados, somando
gastos do INSS, gastos da Previdência do servidor público municipal, estadual e
federal e gastos da Assistência Social. Juntando tudo isso, dá 13% do PIB. Na
verdade, o gasto previdenciário no Brasil é de 7,5% do PIB. Então, há muita
desonestidade intelectual.
Outro mito diz que o Brasil é o único país do mundo que não
tem idade mínima para a aposentadoria. É mentira! Desde a Emenda Constitucional
20, de 1998, foi introduzida a aposentadoria por idade: 65 anos para homens, 60
para mulheres, com 15 anos de contribuição. Hoje, 70% das aposentadorias são
por idade e 30% por tempo de contribuição.
Mais um mito: dizem que a aposentadoria no Brasil é precoce.
Não é verdade! A reforma de 2015 criou a regra 85/95 progressiva, até chegar a
90/100. A partir de 2026, para um homem ter a aposentadoria integral, ele
precisa ter 65 anos de idade e 35 de contribuição. Já a mulher precisaria de 60
anos de idade e 30 de contribuição, por exemplo. Então, se havia alguma precocidade
em aposentadorias por tempo de contribuição, isso foi corrigido em 2015.
Mídia golpista
A reforma é draconiana, excludente e feita com base em
argumentos falaciosos e no terrorismo, no alarmismo, nessa ideia absurda de
que, sem reforma, não haverá Previdência. O problema é que eles fogem do
debate. Lançamos o documento há dois meses e, até agora, não houve sequer uma
menção na grande imprensa.
A relação entre os donos da grande mídia e o sistema
bancário é muito forte. A grande mídia no Brasil é partidarizada, ideológica,
defende o interesse dos poderosos. O projeto deles é implantar o
ultraliberalismo no Brasil e o golpe de 2016 foi uma oportunidade para fazerem
isso, pois um projeto desses jamais passaria pelas urnas.
Agora, eles têm um ano e meio para fazerem tudo o que não
conseguiram em 30 anos. É a reforma trabalhista, que vai fazer os direitos dos
trabalhadores retrocederem em quase um século, é o teto de gastos de 20 anos da
Emenda 95, é o aumento da Desvinculação das Receitas da União de 20 para 30%, é
a reforma tributária e a reforma da Previdência. Você alguma vez viu a grande
imprensa abrir espaço para quem diverge disso tudo? Há uma convergência entre
os interesses deles e os demais detentores da riqueza.
Ora, não existe democracia sem debate amplo e plural de
ideias. A mídia deveria cumprir esse papel, ouvir vários lados, proporcionar o
debate, mas o que temos é uma ditadura do pensamento de um só lado, que é quem
fala sozinho. Se eles ousassem debater conosco, não ficaria pedra sobre pedra
dos falsos argumentos do governo. Querem aprovar a PEC 287 até abril porque, se
deixarem a sociedade debater, a reforma não sai.
Quem ganha
Há dois grandes beneficiários dessa reforma da Previdência.
Dizem que não existe almoço grátis, mas o Brasil fornece um banquete grátis aos
grandes bancos internacionais. Em nenhum outro lugar do mundo alguém consegue
ter uma remuneração excepcional, de 6%, 7% reais. Agora, para eles, não adianta
ter a maior taxa de juros do planeta, também é preciso que o governo diga a
esses agentes que temos a capacidade de pagar a dívida pública, que é lastreada
em títulos. E a melhor maneira de fazer isso é criar um teto para os gastos
sociais, reduzindo os gastos correntes do Brasil de 20% do PIB para 12%.
Isso é o mesmo que dizer aos banqueiros de todo o mundo:
"Estamos abrindo um espaço de 8% do PIB para atender a vocês, fiquem
tranquilos”. Ao retroceder em direitos e rebaixar o gasto social, o governo
abre mais espaço no orçamento para a equipe econômica utilizar na gestão da
dívida pública.
Já no âmbito da Previdência, o fato de o secretário Marcelo
Caetano passar meses se reunindo com grandes fundos privados nacionais e
internacionais é revelador. Vejamos o que acontece, por exemplo, no caso do
setor público, nos municípios. Um prefeito não precisa abrir um fundo público.
Ele contrata um banco, que faz um programa de aposentadoria privada para
aqueles funcionários.
Ao contrário do lema oficial, que diz que é preciso
"reformar hoje para preservar o amanhã”, na verdade, estão reformando para
quebrar o INSS. Haverá uma queda brutal de receita. Se 40% da força de trabalho
não contribui, porque já é informal, com essa recessão profunda, o desemprego,
a reforma trabalhista, o contingente de trabalhadores na informalidade vai
aumentar e muitos não vão querer mais contribuir.
Um menino de 20 anos pensa que, se não vai usar, não vale a
pena pagar o INSS. O marketing já diz que a Previdência pública é uma porcaria
e que os planos privados são maravilhosos. Muita gente irá para o setor
privado. Só com essa campanha que o governo fez, já houve um aumento brutal do
número de pessoas que, iludidas, passaram a fazer planos privados, achando que
terão uma proteção.
Previdência privada não resolve
O plano privado dá uma complementação. Agora, se uma pessoa
sofrer um acidente, eles não dão a cobertura, não têm auxílio-doença ou
aposentadoria por invalidez, por exemplo. Uma questão importante: se eu pago um
plano, quanto ele vai render por ano? 5% ao ano? E qual é a taxa de administração
do banco privado? Há taxas de 3%, 4%.
Outra questão: se o banco aplicar mal seus recursos, como
aconteceu nos Estados Unidos durante a crise de 2008, o fundo vira pó e acabou
o dinheiro! Isso aconteceu no Chile e, hoje, os chilenos debatem a reestatização
do sistema. Então, não há garantias e as pessoas mal sabem qual é a taxa de
administração, mas acham que estão protegidas.
Chegar aos parlamentares
Uma estratégia importante para barrar essa PEC é
conscientizar as pessoas, pois aí está uma questão muito próxima, que elas
entendem. Além disso, a pressão tem que se dar nas bases dos parlamentares,
procurando as regiões onde eles disputam votos para pressioná-los ali. Vamos
chamá-los para uma assembleia, uma audiência pública, divulgar seus nomes, dizer
a eles que não concordamos com a PEC 287. Ano que vem, esses parlamentares vão
lá pedir voto. Então, é preciso fazer com que fiquem com medo de não serem
eleitos nunca mais. *Brasil de Fato |