Com certeza, fruto dessas crises e pressões, nesse último ano e meio,
o STF tomou decisões importantíssimas que contribuíram para
flexibilizar direitos trabalhistas e precarizar ainda mais as relações
de trabalho no Brasil. A continuar assim, o governo não precisará fazer
reforma trabalhista. É o que conclui o advogado trabalhista Eduardo
Surian Matias, diante de tais fatos: "não vai ser preciso a reforma
trabalhista como o governo Temer pretendia, porque o STF já está fazendo
isso por ele”. Então vejamos.
Ultratividade, direito de greve e desaposentadoria
As
mais recentes tratam de direitos relevantes, como o de greve do
servidor, que agora se o fizer, será punido com corte de ponto, mesmo
que seja para defender, por exemplo, o direito ao salário, se estiver
atrasado. A decisão foi no dia 27 de outubro. O cancelamento, por
liminar, do princípio da ultratividade dos acordos e convenções
coletivas de trabalho, contidas no entendimento do TST, por meio da
Súmula 277, agora cancelada. E o direito à desaposentadoria.
A partir do fim da ultratividade, decisão tomada no dia 15 de
outubro, os sindicatos perderam a prerrogativa de negociar novo acordo
ou convenção sob a vigência do anterior. O que representa retrocesso
para os trabalhadores, que poderão ter direitos vulnerados.
No dia 26 de outubro, o Supremo decidiu considerar ilegal a
desaposentadoria ou desaposentação, que é a possibilidade de o
aposentado pedir a revisão do benefício por ter voltado a trabalhar e a
contribuir para a Previdência Social.
Precarização da Justiça do Trabalho
Houve uma
drástica supressão, na Lei Orçamentária de 2016, de cerca de 30% das
verbas de custeio e 90% dos recursos destinados para investimentos na
Justiça do Trabalho. O responsável por isto foi o então relator-geral da
Lei de Diretrizes Orçamentária, deputado licenciado Ricardo Barros
(PP-PR). Esta decisão precarizou sobremodo as cortes trabalhistas
regionais Brasil afora.
As associações da Justiça do Trabalho foram ao Supremo sustentar a
ilegalidade do corte que precarizou o serviço prestado. O relator do
caso, ministro Luiz Fux, negou o pedido ao sustentar que não era função
do Judiciário interferir na questão. Fux foi seguido pelos ministros
Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar
Mendes e Marco Aurélio. Divergiram os ministros Celso de Mello, Ricardo
Lewandowski e Rosa Weber.
A magistrada do Trabalho Valdete Souto Severo lamentou a decisão: "A
Justiça do Trabalho é o ambiente em que as normas fundamentais de
proteção ao trabalho encontram espaço para serem exigidas, para serem
respeitadas. Suprimir esse espaço — é disso que se trata e é essa a
consequência do corte de orçamento chancelado pelo STF — é retirar dos
trabalhadores a possibilidade de exercício de sua cidadania, de
exigência do respeito às normas constitucionais.”
Prescrição quinquenal de FGTS
Em novembro de
2014, o plenário do STF declarou a inconstitucionalidade das normas que
previam prazo prescricional de 30 anos para ações relativas a valores
não depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O
entendimento foi que o "FGTS está expressamente definido na Constituição
da República (artigo 7º, inciso III) como direito dos trabalhadores
urbanos e rurais e, portanto, deve se sujeitar à prescrição trabalhista,
de cinco anos”.
O relator, ministro Gilmar Mendes, assinalou que o artigo 7º, inciso
III, da Constituição prevê o FGTS como um direito dos trabalhadores
urbanos e rurais, e que o inciso XXIX fixa a prescrição quinquenal para
os créditos resultantes das relações de trabalho. Assim, se a
Constituição regula a matéria, a lei ordinária não poderia tratar o tema
de outra forma. O direito dos trabalhadores foi usado como argumento
para retirar direito deles próprios.
Permissão para contratação de OSs na Administração Pública Em
abril de 2015, o STF decidiu confirmar a possibilidade de entidades
privadas conhecidas como organizações sociais (OSs) possam prestar
serviços públicos nas áreas de ensino, pesquisa científica,
desenvolvimento tecnológico, meio ambiente, cultura e saúde.
As OSs são entidades privadas sem fins lucrativos que recebem
benefícios do Poder Público para gerir alguns setores de interesse
social. Na teoria, deveriam exercer funções sociais em troca de isenções
fiscais. Na prática, funcionam como empresas privadas que se aproveitam
desses benefícios. Driblam processos burocráticos, como a seleção de
empresas e a contratação de profissionais, terceirizando o serviço dos
governos e precarizando as condições trabalhistas de funcionários que
deveriam ser públicos.
A decisão, portanto, admitiu a terceirização no serviço público. O
nome, contudo, não ficou como terceirização, mas como prestação de
serviços por meio de OSs.
PDV com quitação geral
O pleno do STF decidiu, em
abril de 2015, que, nos planos de dispensa incentivada (PDI) ou
voluntária (PDV), é válida a cláusula que confere quitação ampla e
irrestrita de todas as parcelas decorrentes do contrato de emprego,
desde que esse item conste de Acordo Coletivo de Trabalho e dos demais
instrumentos assinados pelo empregado.
A decisão reformou o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho no
sentido de que os direitos trabalhistas são indisponíveis e
irrenunciáveis e, assim, a quitação somente libera o empregador das
parcelas especificadas no recibo, como prevê o artigo 477, parágrafo 2º,
da CLT.
Negociado sobre a lei
A decisão acima apenas
antecipou que o "Guardião da Constituição” determinaria que um acordo
coletivo firmado entre sindicato e empresa prevalecesse sobre uma regra
da legislação trabalhista, a CLT.
Assim, decisão publicada no dia 13 de setembro deste ano, do ministro
Teori Zavascki, reformou acordão do TST, que havia derrubado acordo
coletivo por entender que os termos acordados iriam contra regras
previstas na CLT. Para a Corte do Trabalho, a supressão da verba atenta
contra os preceitos constitucionais de garantia às condições mínimas de
proteção ao trabalho.
Assim, diante de tais fatos, o movimento sindical e a sociedade
precisam atuar para reverter algumas destas decisões, de modo a resgatar
os direitos suprimidos. E, ainda, precisa dialogar mais com a Suprema
Corte para evitar que esses movimentos perpetrados pelo mercado/capital
cheguem sem que sejam detectados para impedir que prosperam, como
aconteceu com a decisão sobre a regra da ultratividade, por exemplo.
*Marcos Verlaine - Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap |